As Noites Brancas-Capítulo 8:Fuja.Corra.Fale.Abrace.Sinta.

Oi de novo.

Estou vivo.

Sobrevivi.Voltei da viajem são e salvo.

Não foi tão complicado assim.Eu passava a madrugada em claro,mais alerta do que uma coruja sob efeitos de alta quantidade de cafeína ingerida.E se eu não dormisse na madrugada,eu dormiria de manhã ou de tarde.Mesmo assim,a imagem de Marcela me capturando e me amordaçando para me jogar em um rio próximo persistia como um parasita.Torcia para não ter sonhos,para que ela não me assombrasse por meio destes.Chegar perto da Marcela era como tentar descer um abismo sem fim.Uma conversa com ela seria uma luta de espadas que eu não teria a mínima chance de escapar vivo.

Mas consegui.

Porém...De quê adianta ter feito tudo isso se a primeira coisa que sou obrigado a ir seria uma visita ao prédio dela?

E de novo.Tenham isso em mente.

Enfim.

Eu e minha família estamos num churrasco.Um churrasco num prédio.Um churrasco no prédio da Marcela.

Seus pais também marcavam presença,além da dita cuja.

Ótimo.Testemunhas.O bastante para me salvarem se algo der errado com o ato que estou prestes a cometer.

Lembram de quando eu descobri que o meu coração e a minha atenção pertencem à Rebecca e que eu comecei a sentir amores por ela,crianças?

Pois então.

Pretendo cortar laços com a Marcela.

Bem,ninguém chamaria isso de cortar laços,pois ela sabe onde eu moro e tem o meu número de telefone.Só usei esse termo para colocar um pouco de drama nesse capítulo.Só vou puxá-la para um canto e falar que eu não sou bom o suficiente para ela e tenho total conhecimento disso.

Algo me impedia.

Medo.O maior mal da humanidade.

E algo me incentivava.

Os comentários dos meus pais e os pais dela.Falaram que nós somos um belo casal.

Só de pensar em dividir uma casa com ela todos os dias me corrói mais do que o passar das areias do tempo.

Estou indeciso.Me arrisco ou não me arrisco?

...

Ah,dane-se.

Fui mais rápido que minha mente.Saí da minha área segura.Cheguei perto de Marcela ,com as garras do medo me arrahando,e pedi para ficar a sós com ela.Ela aceitou.Peguei-a pela sua mão gelada e a levei para um lugar bem distante da churrasqueira.

A garagem.

Levei-a para perto dos chuveiros.Pensei no que iria falar.

Limpei minha garganta.Me preparei.

Disse que ela era bonita.Uma das mulheres mais bonitas que eu já vi na minha curta vida.Ela era simpática.Atenciosa.Divertida.Carinhosa...

Porém...Eu não era bom para ela.Disse que o amor necessitado por ela não poderia ser dado por mim.E se eu tentasse,não conseguiria.Um mortal como eu não poderia curar um mal tão horrível para uma mulher tão bela.Minha armadura não era tão forte e minha espada não era tão poderosa para quebrar o feitiço daquela pobre princesa.

E a cereja que usei para coroar aquele bolo de confissões:Um apelo convincente para continuarmos como amigos.

O rosto dela,antes aquecido pelo calor da nossa relação,foi apagando de forma gradual e assustadora.Como se os poucos pingos de vida no seu coração fossem despejados como lixo.Ele terminou com uma tenebrosa neutralidade.

Me preparei para o pior.

Mas ela não se movei.Ela aceitou aquilo,de forma tranquila.

Se alguma molécula de vida restava em seu corpo,ela estaria bem triste.No fundo do poço.

Perfeito.

Voltamos para o local do churrasco.Andamos lado a lado.O andar de Marcela sugeria que ela havia acabado de perder sua maior esperença.

Chegamos ao local.Quando perguntaram o motivo da nossa ausência,Marcela não respondeu nada e tentei mudar de assunto.Passei o resto da visita sem acreditar no meu surpreendente feito.E,quando olhava para Marcela por acidente,ela mirava para o absoluto nada.Estou certo de que ela nunca mias me olhou depois daquilo que disse.

Fomos embora do churrasco.Ela não se despediu de mim.Não achei isso uma coisa ruim.

Cheguei em casa.Fui para o meu quarto.Me joguei na cama.Encarei o teto.

Pensei.

Estou...livre.

LIVRE!

Livre para todo o sempre!

E ela achava que tinha uma maldição.Engano dela!

Passar o resto da minha preciosa vida seria uma verdadeira maldição!

Rolei na cama,a fim de deliciar a tão esperada liberdade.Rolei feito um porco em dia de verão.

Chega de Marcela!Chega de ausência de sentimentos!Chega de saídas ao lado dela!

Chega de frio!

Espera...

De quê adianta conquistar a liberdade se eu não posso aproveitá-la de imediato?

Peguei meu celular.Liguei para o Jamal,aquele pilantra.Seus serviços de pilantragem eram necessários para mim naquele momento.Minha animação acelerou a minha fala.Jamal não conseguia entender o que eu falava.Parecia um estrangeiro pedindo socorro por meio do seu idioma-mãe.Ele insistiu.Parei por um momento.Respirei fundo.Ordenei os meus pensamentos.

Falei.

Pedi para ele arranjar um encontro entre eu e Rebecca.

Ele não acreditou.Me chamou de louco por pedir aquilo depois de ter rejeitado ela.Concordo.Me arrependo profudamente de tudo isso.De ter me interessado pela Marcela.Por ter rejeitado a menina que me ama.E que também amo.

Tracei o meu plano junto com Jamal.Disse para leva-la para o Spelunka,a lanchonete da qual somos clientes assíduos.Quando eles chegarem lá,ele me ligaria para avisar.Por fim,eles ficariam lá até eu chegar e tentar conquistar a Rebecca.

Desliguei.O plano está pronto.Peguei algumas notas de dinheiro na carteira,só por precaução.Meus pais domiam no quarto deles.Deixei uma nota na geladeira para avisar que eu saí de casa.

Minha liberdade queimava sob a minha pele branca.Andar não era o bastante.Decidi correr.Correr para alimentar essa animação dentro de mim.Animação vinda de um amor verdadeiro.

Considerei que este dia poderia ser um sonho.Um sonho bem sonhado.Um sonho bem desejado.Até tropeçar num buraco.Doeu.Doeu muito.Aí eu percebi que não era um sonho.

Cheguei na lanchonete.Antigamente,a visão dela me parecia bem familiar.Naquele momento,me parecia um campo minado.Um campo minado cuja escapatória é incerta.

Pousei minha mão sobre a maçaneta da porta.

Estranho.

A porta não se mexia.Minha mão não se mexia.Meu braço não se mexia.Minha mão não se mexia.

Congelado...De medo.

A rejeição.A raiva.O ódio.

Não falava com ela há um tempo.Mas isso não me impede de tentar adivinhar o que ela vai sentir quando me ver sem aviso.

Um longo caminho andando e fico paralisado quando chego perto da linha de chegada.Achei que ficaria ali para todo o sempre.Isso até meu celular vibrar.Tiro ele do bolso.Uma mensagem do Jamal.

‘’Cara,você já chegou aqui?’’

Pensei em desistir e dar meia-volta.Pensei que não fosse bom para ela.

...

Ah,dane-se (de novo)!

Coloquei o celular no bolso.Voltei para a maçaneta.Eu a abri.Entrei na lanchonete.Uma lanchonete com piso de madeira.Mesas e cadeiras soltas.Mesas coladas nas paredes.Um balcão no fundo,junto com vários refrigeradores de bebidas e uma TV pregada na parede,que exibia um programa sobre esportes de inverno.

Não pensava em quase nada.Deixava o meu corpo e a minha mente me guiarem.Passei pelo corredor inicial.Fui para a área das mesas.Uma área aberta.Não vi ninguém.Me lembrei de algumas mesas ficam ‘’escondidas’’ quando vistas pelo corredor.Olhei para a esquerda.

Lá estavam eles.

Jamal e Rebecca.De frente para o outro.

Jamal,sentado de costas para a parede,vestia uma camisa branca e um short jeans.Rebecca usava um short preto e uma camisa branca simples.Estava maquiada.Não muito.Usava um brinco decorado com um Apanhador de Sonhos.

Eles me ouviram.Olharam para mim.O rosto de Rebecca,que expressava um desinteresse explícito e venenoso,mudou para o total escárnio ao me ver.

‘’O que ele está fazendo aqui?’’

O medo e a culpa me atingiram na barriga.Considerei correr.Mas Jamal se levantou e colocou uma de duas mãos em um dos meus ombros.Ele me disse para ela me dar uma chance.Ela olhou para nós dois por séculos.Respirou fundo.Ela concordou.

Devo uma eternidade de riquezas para o Jamal.

Me sentei de frente para Rebecca.Jamal bateu no meu ombro.Disse que ia para o banheiro.

Eis a minha deixa.

Enquanto Jamal ficava no banheiro para esvaziar seus intestinos,reunia coragem para falar o que eu tinha que falar.

Isso ficava mais difícil quando ela olhava para mim.Suando debaixo de um ar condicionado.Droga.

Fui me certificar.

Perguntei se ela ainda estava com aquele cara da boate.Ela respondeu um ‘’não’’ bem frio.

Ótimo.

Ela olhava para o lados.Desinteressada.Mexia no celular sorrateiramente.Qualquer coisa para sair dali o mais rápido possível.Eu preparei o meu script.Cada parágrafo.Cada linha.Cada frase.Cada palavra.Cada vírgula.

Cada mísero detalhe.

Vai ser um pouco complicado.

Dei uma inspirada profunda.Os olhos dela miravam o celular.

‘’Eu sei que fui mais do que um idiota em relação a você’’.

Ela tirou os olhos da tela.Olhou para mim com curiosidade.Estou indo bem.

‘’Não era segredo que você gostava de mim.Todo mundo sabia.Até eu sabia.Mas eu não aceitava.Não aceitava um amor tão genuíno e verdadeiro.Isso porque eu não sabia o que era um amor de verdade até há pouco tempo.Percebi quanto tempo você dedicava do seu dia para pelo menos ter uma faísca de atenção e reciprocidade.E eu descobri a dor de possuir um sentimento que não é retribuído.Ele para de te fortalecer e começa a te corroer.Corroer a vida que existe em você.Não era maduro o suficiente para perceber a gravidade disto.Pensava em mim mesmo.Mas eu juro que mudei.E por isso,peço humildemente pelo seu perdão.Um perdão com o qual não poderia viver sem.Um perdão que poderia sumir com esse amargo dentro de mim de uma vez por todas.’’

A expressão dela passou de curiosidade para pena.Ele combinava com os meus sentimentos do momento.

‘’Mas e aquela menina que você beijou na boate?’’

Tudo bem.Com isso,eu já ganhei o perdão dela.Agora,é a melhor parte.

‘’Eu terminei com ela.Porque ela não é você.Ela não tem o calor que faz o meu coração bater.Ela não deixa claro por meio das suas palavras o quão profundo é seu sentimento por mim.Ela não se esforça para me contagiar com sua alegria,sua simplicidade e sua simpatia.Sua beleza não é viva e flamejante.Seus olhos não me olham como se fossem as janelas da bela alma pela qual sacrificaria vários prazeres para tê-la ao meu lado para todo o sempre.E por último:Você tem tudo isso.Todas as qualidades de uma mulher pela qual me apaixonaria todos os dias.’’

Ela parecia demasiadamente chocada.Ela se levantou sem dizer uma única palavra.Andou até mim.Sentou ao meu lado.Me abraçou.Sussurrou no meu ouvido:

‘’Eu te perdoo,meu poeta apaixonado.Poeta pelo qual sou apaixonada.’’

Nunca me senti tão emocionado ao receber um abraço.Um abraço da pessoa certa.Não tardou para ela me beijar.Um beijo quente.Um beijo que tirou a poeira sobre o meu coração.

Palavras logo se tornaram inúteis em tentar descrever o que eu sentia naquele momento.

O nefasto arrependimento por não tê-la aceitado antes correu pela minha garganta feito um choro reprimido.Por outro lado,a frenética felicidade me preenchia.

O beijo foi sutilmente interrompido por um grunhido.Um grunhido vindo de perto.Um grunhido vindo do outro lado da mesa.Parei o beijo.Olhei para o outro lado da mesa.Lá estava Jamal.Sentado.Nos observando.Nos observando com um sorriso no rosto.

‘’Então...Demorou um pouco,mas o casal da nossa turma finalmente se formou.Esperem até os outros souberem disso.’’

Olhei para Rebecca.Ela olhou para mim.Nossa risada mútua sucedeu a troca de olhares.

Aproveitamos o ambiente e o dinheiro no meu bolso para jantar lá.Jantamos e conversamos sobre as mais variadas coisas.Mas não importava o assunto no qual estávamos,pois sempre voltávamos para dois assuntos bem familiares:O Ensino Médio e o nosso romance.

Foi uma ótima conversa.E um ótimo jantar.

Saímos do restaurante ao mesmo tempo.Meu cérebro ainda se acostumava com o fato de que a noite havia chegado tão rápido.Era a hora da despedida.

Me despedi de Jamal com um caloroso aperto de mão,alguns tapas nas costas e um singelo ‘’obrigado’’.A despedida de Rebecca foi simples,porém carinhosa.Apenas um ‘’tchau’’ e um rápido selinho.

Com isso,ambos trilharam seus caminhos na escuridão até as suas respectivas casas.

Não havia necessidade disso,mas eu queria correr.Correr o mais rápido que eu puder.Correr para torrar esta animação caótica dentro de mim.Se isso não bastasse,eu iria descarregar os meus pulmões.Descarregá-los de todo o ar dentro deles e usá-lo para gritar.Gritar para expressar minha felicidade ao finalmente experimentar um amor autêntico e,acima de tudo,recíproco.

Meus dias se tornariam incríveis a partir daquele.

Cheguei em casa.De barriga cheia e cansado,porém satisfeito e com o dia feito.

Fui direto para a cama.Dormi feito um bebê.Não dormia assim há muito tempo.

Antes de desligar,eu pensei:Será que a Marcela está acordada?

E se ela estiver,o que será que ela está pensando?

Provavelmente no fim que eu coloquei no nosso relacionamento.

E o que ela está se sentindo em relação a isso?

Na melhor das hipóteses...Nada.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 02/03/2016
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