TRILHA MUSICAL*
Sempre fora passional e musical. Toda situação gerava uma canção. Era algo involuntário. Mais forte do que ele. Isto era muito mais acentuado em se tratando dos seus romances.
Acontece que esta era uma área onde nunca teve muita sorte. Ficando nele sempre uma dúvida cruel. Era a relação que determinava a música ou o inverso?
Como quando ficou apaixonado por uma prostituta do Vale do Anhangabaú. Era um amor inconfessável para todos os que conhecia. O mesmo acontecia do lado dela. O jeito dos dois conviverem com aquilo era reforçando o papel profissional-cliente. Mas naquele quarto fedorento que só cabia uma cama e que compensados faziam o papel de paredes, todos os papéis se desfaziam. E não era apenas o sexo. Riam, brincavam, se acariciavam, conversavam. Depois ficou sabendo que havia um tempo para cada programa. Ela guardava sempre um dinheiro e dizia que ele que dava. Desde a primeira vez que a viu, Vitrines lhe perseguia:-"Eu te vejo sumir por aí. Sua sombra se multiplicar. Nos teus olhos também posso ver. As vitrines te vendo passar." Aproveitando-se de que ela tinha mais de 4 graus de miopia, ficava horas lhe observando de longe. Vendo seu subir e descer do "hotel". Encostada no muro junto com suas colegas, se destacava como uma rosa entre azaleias. Sentado ao lado de uma barraquinha de espetinhos de carne, ouvia o Falcão lhe fazer um show exclusivo nos ouvidos:-"Um coração de frango, trespassado pelo espeto do ciúme. Um coração de frango, vai ardendo na chama da paixão."
Realmente a via quando passeava pelas ruas do Centro. Pois a seguia. Um dia arranjou um encontro "sem querer" no Largo do Paissandú. Acabaram passando o final da tarde e a noite juntos. Seu olhar de manhã parecia o de uma policial. Ficou-o encarando por mais de meia hora. Os longos cabelos pintados de ruivo em desalinho. A pele branca em um corpo generoso em todas as suas formas. Era demais para a rua. Era demais para ele.
-"Porquê você não trabalha em um lugar melhor?"
-"Você me ama?"- a crueza da pergunta o deixou atônito.
-"Eu, eu, eu gosto muito de você."
-"Você me ama?"-o tom trazia quase uma súplica.
-"Eu não sei, Bê. Eu não sei..."- Maria Bethânia era o nome verdadeiro dela. Ela ficou ali, simplesmente parada. Olhando para ele. A face como a de uma esfinge. Sem aviso lhe lascou um beijo longo e apaixonado. Uma semana depois quando foi procurá-la não estava lá. As colegas disseram que tinha voltado para o Ceará. Durante anos passou por ali. Nunca mais a viu. Nelson Gonçalves lhe recriminando:-"Hoje confesso, com dessabor. Que não sabia, nem conhecia, o amor."
Este foi o mais dolorido. Mas via de regra saia de seus relacionamentos machucado. Depois de um tempo, sempre que se percebia a gostar de alguém, Elis vinha em seu socorro:-"Já conheço os passos dessa estrada, sei que não vai dar em nada. Seu segredo eu sei de cor." Resignou-se com sua solidão. Com o tempo se tornou amigo dela. E um dia sem querer, percebeu que fez as pazes com seu passado. Cantava feliz:-"Hoje é o dia, eu quase posso tocar o silêncio. A casa, vazia. Só as coisas que você não quis, me fazem companhia. Eu fico a vontade com a sua ausência. Eu já me acostumei a esquecer."