O QUADRO

Aquela aquarela que você pintou, ainda está lá, na parede da sala onde a colocou. A paisagem em que céu e rio têm uma só cor avermelhada sugere um bonito por de sol.

Você me contou que se inspirou em uma cena que viu no Rio Negro, em Manaus, em um quente fim de tarde, quando visitava a cidade pela primeira vez. As margens do rio, escuras, na penumbra da noite que se avizinha, apresentam poucos detalhes, apenas silhuetas de alguns arbustos. E onde céu e rio se fundem, no horizonte,  um homem rema solitário em sua canoa. É só um perfil mas sua presença é eloquente.

Você me dizia que gostava de colocar pessoas em suas paisagens, sem detalhes, apenas vultos, porque davam mais vida à obra. Naturezas mortas nunca foram o seu forte.

O quadro é muito belo em sua simplicidade mas não me transmite alegria. Ao contrário, me dá a dimensão de uma grande solidão. É o retrato da melancolia que sua falta me traz.

Não quero me desfazer desse quadro, embora saiba que vou vê-lo todos os dias de minha vida e que ele me trará de volta o passado com uma tênue sombra de tristeza a turvar meu olhar.

Me parece que você está ali, é aquele canoeiro sem rosto, na paisagem desolada e na qual você usou somente dois tons: vermelho e negro.

Sua inconfundível assinatura está lá, junto à data, no canto inferior direito. Celso/1982.


22/02/2016
Aloysia
Enviado por Aloysia em 22/02/2016
Reeditado em 13/10/2019
Código do texto: T5551336
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.