Apartados

Era mais um madrugada chuvosa de setembro, o jovem Carsse sangrava mais uma vez. O sangue descia de forma lenta dos pulsos junto a cada mágoa, a cada angústia que lhe inflamava a alma e o coração. Os cortes ardiam docemente, em seus olhos, de um azul tão profundo quanto o do oceano, via- se um sorriso melancólico.

‘’ Logo, minha doce amada virá’, pensava ele enquanto mais uma vez se riscava.

Seu coração se acelerava cada vez mais, as veias pulsavam com maior força e sua alma fria, tão gelada quanto neve, chamava incessantemente o amor que lhe sarava o corpo e o coração com seu toque do outro mundo.

‘’ Cristh... Cristh.... Cristh’’

Sim , sua amada Cristh, companheira em sua solidão.... a sombra que agora lhe desvanecia o olhar.... o anjo que sangrava junto a ele... o abraçava de forma tão gentil que o fazia viajar por terras longínquas, velejando por mares... uma terra de sonhos nunca visitada por mortais.

De repente, sem sequer um aviso, uma mulher pálida surgiu junto a enorme janela de fronte a Carsse. Junto as sombras, seus olhos eram de um negror vazio, sua tez tão pálida quando uma noite de luar sem nuvens e seu corpo, uma escultura talhada perfeitamante em mármore branco.

‘’- Carsse, senti sua falta, meu amado mortal. ‘’

A voz dela tão delicada e sobrenatural tocou seus ouvidos, adentrou em seu coração como o néctar tomado pelos deuses há muito desaparecido.

‘’- Minha linda e pálida Cristh, não há dia que se passe que minha alma não deleite-se em sua lembrança, que não anseie mais uma vez pelo toque de suas mãos tão brancas, por seus lábios tão finos e suaves. ‘’

Sua voz era apenas um sussurro extasiado em meio a tempestade que desmorava o mundo lá fora, mas ele sabia que ela o ouvia pois que seus corações e suas mentes eram um. E ele prosseguia seu discurso apaixonado enquanto ela se aproxima de seu corpo quase exangue,tomou-o em seus braços.

‘’- Essa vida, sinto-a perdida quando não estou junto a ti. Esses cortes nada são comparados a dor que estar apartado desse teu frio que inflama meus mais íntimos devaneios.’’

Ela olhava-o nos olhos, de sua face viam-se duas finas lágrimas que desciam solitárias em sua caminhada. Ela pôs suas mãos nos pulsos de Carsse, estancou-lhe o sangramento

‘’- Oh, Carsse, amo-te profundamente, as noites sem ti para mim são como mil anos de solidão; amo-te ao ponto de não mais saber onde eu termino e tu começas, mas dói-me ver-te assim tão triste, sua dor tornou-se a minha.’’

Carsse sentiu-a junto a ele, soluçava baixinho o que há muito lhe corróia as entranhas.

‘’- Cristh, cesse pois esse dor, cesse pois suas lágrimas que não as mereço. Sou um mero mortal enamorado por um ser de divina beleza. Leve-me contigo essa noite, que fiquemos um do lado do outro por toda a eternidade. Esse mundo, essa vida são nada sem os seus beijos e abraços. Tudo é dor. ‘’

Os soluços dele agora eram prantos e sua amada nada pôde fazer para acalmá-lo. Todo seu corpo tremia e o dela, desesperava-se o sentindo tão abatido.

Ela sussurrou em seu ouvido:

‘’- Acalme-se agora, meu pobre Orfeu. Levarei-te comigo e juntos velejaremos por toda as estrelas existentes nesse infindo Universo.’’

Enquanto ela falava, dois profundos cortes se abriam em cada pulso de Carsse. Ele nada sentia, nada a não ser o desejo de unir para sempre com Cristh.

‘’- Tocarás para mim as mais belas sinfonias junto ao lago da passagem das almas, voaremos sob os céus e os mares, dois espíritos para sempre apaixonados, para sempre perdidos em nosso sentimento. Transporemos eras.’’

Carsse, mais pálido do que nunca, já se desvanecia nos braços de Cristh. Uma poça de sangue formou-se junto a cama.

Cristh levantou-se e com suas mãos levantou seu amado. Ele abriu os olhos e a viu ainda mais bela. Beijou-a na testa e buscou seus lábios. Beijaram-se longamente naquela noite, deram-se as mãos e desapareceram na tempestade, dois fantasmas por muito tempo separados um do outro.

Itamar Felipe
Enviado por Itamar Felipe em 19/02/2016
Código do texto: T5548546
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