O CASO DO HOMEM FIEL
Do amor, caros amigos, saberemos apenas se por ele formos agraciados. Ou, amaldiçoados, depende do ponto de vista.
Benção e maldição, palavras opostas não poderiam ser mais apropriadas se pretendemos nos enredar em tramas de nós apertados. Paradoxal é o amor, novidade a cada correspondência nos juramentos que serão sempre singulares. E ridículos, como disse Pessoa. O amor não estará mais vivo na reconciliação que nas contendas. Na boca dos amantes, o amor é desejo eterno e satisfação efêmera. Amor é palavra cujo sentido nos escapará logo recuperemos o fôlego.
Vejamos o caso do homem fiel.
Ele se despiu do orgulho quando disse para sua amada: “Vá, se precisa ir”.
Na esperança de um dia sermos amados assim e, egoístas que somos, o julgamos ingênuo. Antes mesmo de conhecermos causa e efeito, desdenhamos desse homem que passou a ser visto como o pobre coitado.
E ali está, o patético homem fiel. Ele segue a sua vida a despeito de nós que o invejamos às escuras, nós que o olhamos com soberba, que o julgamos opróbrio. O trabalho consome seus dias, as noites duram séculos. Não bebe e não joga. Não se entrega ao vício e mantêm-se íntegro na sua dor por ser ela isso mesmo, sua. Não seria o momento adequado para exageros? Para repentinos vãos da conduta? Desvios de caráter? Pois é certo que estaria justificado qualquer deslize da moral, e diríamos, nós que nos escondemos atrás de algum evangelho, “Coitado, tinha uma vida pela frente”.
O que se viu, no ardor do abandono, é a branca e gelada espera. Se retornarmos para vigiar o que aconteceu depois o veremos, agora, de braços abertos e lágrimas contidas. Lágrimas contidas porque é homem que não se permite chorar em público. Lágrimas contidas e braços abertos porque seu amor retorna. Não mais o mesmo amor dado que enfim compreende a lição do que antes chamamos paradoxo.
No retorno ela se dá integralmente ao homem que lhe foi fiel, sem reservas porque percebeu que o amor reservara o melhor para fim. Ela diz: “Voltei porque preciso de ti”.
Se ainda estamos aqui é apropriado que saiamos. Os dois têm muito o que dizer um ao outro.
E serão juras temporárias com prazo de realização. Promessas a serem testadas porque não esperam mais serem felizes para sempre. Se ainda estivéssemos perto deles, ouviríamos suspiros e citações poéticas ridículas e tão patéticas como toda frase de efeito. Eu te amo, embriagado, clichês nunca esquecidos no tempo.
Ouviríamos, se estivéssemos com eles. Mas é hora da sair.
Não veremos os beijos ardentes?
Os amantes sentiram a falta das mãos que acenaram o adeus e saber que estão um ao lado do outro na cama basta. Sobramos.
Para contar o que se pode imaginar não é preciso mais que silêncio.
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Baltazar Gonçalves