As Noites Brancas:Capítulo 5-Branco

Eu tentei manter meus olhos no prato.Coxa de frango frito,purê de batata com salsa e bananas fritas.Não consegui.Não tirava os olhos da decoração da sala de jantar da casa da Marcela.Quadros minimalistas que escondiam significados completos.Esculturas de vidro cujas linhas curvas e calmas ilustravam o quão profunda a abstração humana poderia ir.Móveis brancos cuja precisão cirúrgica nos detalhes faria o mais hábil dos artistas sentir uma alfinetada de inveja.

Isso que dá ter um pouco mais de dinheiro na conta bancária no final do mês.

Enfim.

Neste momento,você deve estar perguntando o motivo da minha presença na casa dela.

Simples.

Um Sábado à tarde.Deitado na cama do meu quarto.O ar-condicionado encontrava-se ligado.Um calor infernal.Uma breve e profunda conversa com a Marcela pelo celular esfriava a minha cabeça.Ela me sugeriu que eu fosse à casa dela com os meus pais.Eu recusei.Disse que eles pareciam estar bem cansados.Precisavam de um dia de sossego para recarregar as bateria.

Nisso,ela responde:’’Não precisa falar isso.Meus pais já chamaram eles.’’

E,como num passe de mágica,minha mãe entra no meu quarto.Ela me disse para me arrumar,porque iríamos jantar na casa dos pais da Marcela.Estava gostando de ficar perto do ar-condicionado,mas eu obedeci.Com um sorriso no rosto.

Quando chegamos na porta do apartamento,Marcela nos recebeu.Usava um vestido roxo bem detalhado e uma maquiagem sutil.

Engraçado.Sentia o olhar dela despir a minha alma e examinar a sua essência.Ao mesmo tempo,o branco do seu sorriso me dava um certo conforto.

E aqui estou.

Passamos quase o jantar inteiro ouvindo Marcela e seus pais falando sobre sua carreira como modele em começo de carreira.Um desfile em Madri.Um concurso de Miss Juventude em Milão.Uma sessão de fotos nas praias australianas.

Por fim,os pais dela nos chamaram para sala para ver um álbum de fotos dos desfiles e concursos que ela já participou.Entretanto,a minha alegria se enfraqueceu no momento que o pai de Marcela disse que o vinho que ele havia guardado para a ocasião foi usado em outra e terminou acabado.A garota teria que sair do apartamento para comprar outro.

E quem teria que acompanha-la?

Sim.

O narrador dessa história.

Bingo.

E para completar o passeio:Uma salada de chuva moderada e ar-frio.

Caminhamos pela calçado em direção à uma loja de vinhos.Era um pouco longe.As gotas de chuva que caíam das bordas dos nossos guarda-chuvas temperavam a nossa conversa.Conversamos os mesmos assuntos de sempre,mas com um detalhe a mais:Eu estava conversando com uma modelo.

Entretanto,a satisfação de uma companhia agradável foi rasgada quando ele disse isso:

‘’Sabe de uma coisa?Eu gosto de caminhar nessa hora do dia.É nessa hora que eu mais vejo pessoas.Sinto um pouco de inveja delas.Elas riem.Elas choram.Elas amam.Elas sentem.Uma pena,já que eu não consigo sentir nada.’’

Espera um pouco.

Ela acabou de me falar que ela não sente nada.

Nada.

Nem mesmo um pingo de emoção.

Achei que ela estava exagerando...Até certo ponto.

Em um certo instante da caminhada,eu errei o caminho e,antes de realmente me perder,ela agarra a minha mão e me leva para o caminho certo.

A mão dela era mais fria do que o clima ao nosso redor.Como tocar uma casca sem vida.

Avistamos um cachorro perto da loja de vinhos.Um cachorro cuja pelagem era uma festa de branco e castanho.Era manco e magro.Parecia bastante faminto.Procurava por comida.Qualquer comida.Até olhar para mim.Seu olhar indicava que,além de faminto por comida,também estava faminto por amor e carinho.Me ajoelhei perto dele e cocei a sua cabeça.Isso até Marcela falar:’’Por quê está aí?Não podemos nos atrasar.Deixe esse miserável aí e vamos andando.’’

Quanta falta de empatia.

Finalmente chegamos na loja.Marcela viu o vinho que seu pai pediu e não tardou em pegá-lo.Ao mesmo tempo que esperávamos na fila,eu vi uma TV ligada perto do caixa.Ligado num telejornal.Um telejornal que mostrava os destroços e afetados de um furacão que atingiu uma parte do Sul dos Estados Unidos.Um furação chamado Kimmie.Pude ver o choro de pessoas sobre os corpos de seus entes queridos.O apelo de crianças perdidas pera se encontrarem com seus pais.

Em um segundo,olhava para TV,totalmente arrasado.E no outro,olhava para o rosto neutro de Marcela.Como se ela não ligasse.

No caminho para casa,eu comecei a vê-la com outros olhos.Um sol sem brilho.Um perfume sem cheiro.Um flor sem encanto.

Chegamos na casa dela.Abrimos a garrafa de vinho e vimos as fotos.Minha família se impressionou.Eu não me impressionei.

Afinal de contas,de quê adianta ter uma bela aparência,se você não tem encanto para encorpá-la?

Enquanto demorava para dormir,eu sentia saudade dela.Da Rebecca.

Gostaria mais de receber uma declaração emotiva da Rebecca do que um toque das mãos frias e sem vida da Marcela.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 25/01/2016
Código do texto: T5522911
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2016. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.