Novo abraço. Mesmo abraço.

Queria outras pernas. Estas minhas já não me aguentavam. Doía nas costas e no estômago este peso. O da consciência.

Tirei da vista a tela do celular de onde li aquela insuportável notícia e percebi à minha frente um penhasco. No prato de onde não sorvi uma gota da sopa, o penhasco. Da pêra que parti inutilmente e não comi, o penhasco. Na cama de meu travesseiro molhado, o penhasco. Em plena tarde de verão o penhasco trouxe consigo o escuro da noite.

Ela me transmitia força. Não ia fazer isso nunca mais. Minha mãe chegou, me viu daquele jeito e sentou-se a meu lado. Me abraçou e deu um beijo, de um jeito que não fazia desde quando eu era criança. Ela também já sabia.

A força que me faltava tornava distante o caminho relativamente simples que eu teria pela frente. Esta força eu teria que reaver de outra forma, agora que não existia mais o refúgio do abraço dela. Força, ironia da vida, que eu havia de recompor justamente para ir vê-la. Tão linda flor que antes de pé reluzia, agora - que triste - deitada para sempre.

Desvencilhei-me do lençol amarfanhado e me preparei para sair. No chuveiro recordei nosso último momento antes da briga. No quarto dela confessei a saudade que eu tinha do meu pai. Ela me abraçou. O abraço - tão bom quanto o café que ela fazia! - me deu exatamente o que eu precisava naquele momento. O precioso abraço! Os poucos segundos que para mim representavam eternidade. Os carinhos nos meu cabelo. E a troca de olhares de que não esqueço. Minutos depois, eu certamente voltaria a me sentir segura, não fosse percebermos a mãe dela nos olhando à porta. "Telefone pra você, Renata", informou, em voz que queria dizer outra frase, certamente não tão leve quanto a que emitiu. Ela saiu e eu fui atrás. Não queria ficar no quarto e correr o risco de ser maltratada por comentários que a dona Vera pudesse fazer. Depois dela desligar o telefone, eu disse que tinha de ir embora. Ela quis que eu ficasse. "Sua mãe não gostou", observei. Renata protestou. Disse que não era verdade, e mesmo que fosse, não permitiria que a mãe se intrometesse em sua vida. Foi o suficiente para discutirmos. Poxa vida... nós discutimos! Que lembrança tão difícil a caminho do velório dela!

Dona Vera estava sentada junto das irmãs num canto, em frente de onde Renata jazia. Não queria ficar olhando. Mas na inevitável vista, também ali, naquela situação, eu a percebi linda. Flores ao redor, juntamente com o cabelo penteado como nunca esteve em vida. Ela não se preocupava tanto assim com as coisas. Às vezes nem com o cabelo. E nem por isso deixava de levar beleza por onde passava. Eu gostava demais daquele cabelo desarrumado. Vai levar com ela esse perfume que tanto gosto e que, mesmo naquele momento, eu sentia no ar.

Esperava, do fundo do coração, que a mãe dela não se aborrecesse com minha presença. Tanto quanto pareciam estar aborrecidas as tias. Eu percebi. E foi uma pena. Se a situação era tão difícil para mim, muito mais para ela, que já era viúva e agora perdia a filha. Cheguei bem devagar e disse 'oi' para uma dona Vera cabisbaixa. Ela levantou os olhos e estendeu as mãos. Estendeu as mãos para mim! Levei as minhas de encontro. Deve ter sentido-as trêmulas, tanto quanto senti frias as mãos dela. Cheguei mais perto e agachei. Dona Vera me abraçou. O mesmo perfume de Renata. O mesmo abraço. Sim, o mesmo abraço! Envolvida naqueles braços que pareciam ser os da amiga que eu tanto amava. Eu pensava que iria encontrar uma mãe desconsolada, a quem iria tentar levar algum conforto com um abraço e umas poucas palavras. E aconteceu o contrário. Logo após o abraço, fui eu quem desmoronou em lágrimas, enquanto dona Vera, com as mãos em meus cabelos pedia calma.

Impossível não sentir a presença dela naquelas paredes, na cadeira vazia ao lado, nos imãs de frutinhas delicadas que ela ia colecionando na porta da geladeira. Ficou linda naquele quadro imenso que dona Vera mandou colocar na sala. Minha amiga estava a olhar aqui para a cozinha, sorrindo para quem quer que chegasse. Dona Vera, de costas, derramava a água quente no coador e o cheiro maravilhoso do cafezinho se espalhou pela cozinha. Trouxe o bule, duas xícaras e sentou-se comigo, colocando-os ao lado da forma do bolo de fubá que minha mãe tinha feito. Pediu desculpas por não poder vir desta vez. Estava de plantão no hospital. Enquanto ela enchia as xícaras, exclamei: "igualzinho da Renata, dona Vera. Igualzinho!", iniciando, em um novo dia, de um novo tempo, com as lágrimas já secas, a conversa com esta nova amiga.