"Causas emergenciais"
“Causas emergenciais”
O primeiro dia do ano é caracterizado por muitas esperanças. Esperanças daqueles que prometem mudanças, que anseiam conquistas e que estabelecem metas pessoais. Foi neste clima mágico e cheio de expectativas que Janaína, uma publicitária paulistana bem sucedida foi passar o réveillon no Rio de Janeiro. Foi sozinha, pois solitária era aos trinta e nove anos. Há quem diga que ela estava só por convicção, outros, mais maldosos, diziam que era por falta de opção mesmo. Inveja. Janaína não só era uma mulher independente financeiramente, quanto também era bonita, simpática e atraente. Talvez fosse seletiva demais, ou numa possibilidade mais abstrata, as divindades ainda não tivessem agraciado seu coração com um verdadeiro amor. Morena clara, filha de pai negro e mãe italiana, era adepta do candomblé, fato que fazia alguns dos seus colegas de trabalho torcerem o nariz por conta de sua opção religiosa.
Às vinte e três horas de um trinta e um de dezembro cujo ano não importa, saiu de sua suíte no Copacabana Palace para testemunhar a belíssima queima de fogos do réveillon carioca. Noite linda, repleta de pessoas usando branco. Branca também era a lua daquela noite, cândida como as areias de Copacabana e alva como a roupa que a paulistana usava em homenagem à Iemanjá. No seu íntimo, fez um pedido à Mãe das águas: queria mesmo encontrar um amor verdadeiro no próximo ano. Sentiu que seria atendida.
Os fogos pipocaram no céu do Rio de Janeiro ao fim da contagem regressiva que anunciava a entrada do novo ano. Com uma taça de espumante francês, Janaína, levemente alterada pelo álcool, adentrou no mar para pular as sete ondas, ritual que fazia questão de cumprir. A sétima onda nem foi tão forte, porém, suficiente para desencadear um afogamento bobo, causado mais pela espuma do champanhe do que pelas espumas do mar.
Do alto de uma cadeira, um jovem que usava vermelho testemunhou tudo através lentes de um binóculo. O indivíduo usava vermelho não por superstições de fim de ano, mas porque era salva-vidas mesmo. Coincidência ou não, Jurandir havia também feito um pedido íntimo, mas para Santo Expedido, aquele das causas emergenciais: queria encontrar um amor que o fizesse esquecer Eulália, uma mulata de Nova Iguaçu que mudou-se para Amsterdã, ao trocá-lo por um afortunado turista holandês.
Jurandir correu às águas de Copacabana, tomou Janaína pelos braços e a trouxe para a areia. Durante a respiração boca a boca, não sentiu o sal do mar nos lábios da paulistana, mas sim, uma doçura indescritível. Ela, voltando a si, percebeu um sentimento diferente, que jamais sentira nos braços de outro homem. Em seu íntimo, Jurandir pensou: “Obrigado, Santo Expedito!”. Ela, em agradecimento à Iemanjá, disse: “Odoiá, minha mãe!”. E foi assim que nasceu um amor marcante entre uma paulistana de classe média alta e um carioca suburbano da Baixada Fluminense.
Há ainda quem diga que naquela noite, Santo Expedito e Iemanjá brindaram o encontro do casal de devotos: O santo católico tomou uma bela taça de vinho, enquanto a Rainha do Mar bebia um copo de cachaça, como é de praxe no candomblé...
*O Eldoradense