Taxista tarado: O reencontro
Aline já tinha esquecido o taxista. Não esquecido de fato, mas tinha bloqueado a imagem daquele homem que lhe olhou pelo retrovisor do taxi numa segunda-feira e tinha sido dono de seus pensamentos mais obscenos por longas semanas seguidas.
Por três semanas seguidas ela tentou reencontra-lo, mas sua determinação foi em vão. Desistiu. Afinal não passava de uma loucura desvairada de sua cabeça. Onde já se viu, uma mulher inteligente, bonita, bem resolvida, se sentir atraída por um taxista de dentes amarelados. O tempo passou.
O tempo tem o poder incrível de fazer com coisas que num instante pareciam extremamente importantes para nós, logo ali na frente, se tornarem em nada mais do que uma lembrança insignificante. O taxista tarado, era para Aline, apenas lembrança que se perderá através do tempo.
Às vezes ela ainda lembrava-se daquela historia. Tinha entrado num taxi qualquer em direção ao serviço após cair na lábia do ex e passar a noite com ele. Despenteada, com a roupa do dia anterior deu o endereço do escritório e aproveitou o tempo que tinha para se maquiar e estar minimamente apresentável para o trabalho, mas pelo retrovisor do carro viu o olhar do taxista lhe encarando. Ficou constrangida no inicio, mas depois teve uma reação adversa, ergueu um pouco a saia e provocou. Viu os dentes amarelados dele, mas por incrível que pareça, sentiu-se atraída por aquilo. Queria ter falado alguma coisa, mas a corrida acabou e ela nunca mais o viu. Lembrava-se de tudo isso e ria de si mesma. Fora uma boba.
Era uma sexta-feira a noite e lá estava ela com os colegas de escritório num daqueles barzinho que servem Chopp e tem musica ao vivo. As pessoas empoleiradas em volta das mesas conversando sem compromisso, sem dar a mínima atenção para os músicos que não fazem nenhuma questão de terem atenção.
Aline estava na mesa acompanhada por duas amigas e três amigos. Um deles era Amilton. Amilton era contador. Óculos de grau, camisa de botão, meio careca, mas ainda muito charmoso. Já faziam semanas que ela e Amilton se olhavam no escritório, e naquela noite, parecia que ia acontecer.
Ela estava disposta a dar uma chance para o contador Amilton. Talvez fosse uma chance para ela mesma, afinal de contas chega um momento em que uma mulher precisa tomar uma decisão e Aline já tinha percebido que seu tempo tinha chegado.
Amilton fez uma piada sem graça, mas ela precisava demonstrar interesse por isso forçou um riso qualquer. Depois o encarou com força até ele dar um sorriso sem graça e sua careca ficar vermelho. Ela sabia, mesmo sem poder conversar individualmente com ele em meio aquele mar de ruídos promovido pelos freqüentadores e pelos artistas no palco ele estava no papo.
Aline tentou ver o seu futuro ao lado de Amilton. Talvez daqui a cinco ou seis anos ela estivesse mais gorda. Provavelmente ela estaria mais gorda e perderia as curvas desenhadas pelas longas horas de academia. Provavelmente teria dois filhos. Amilton perderia, talvez, aquele charme da meia idade, e os últimos fios de cabelo, mas ela tinha certeza ele seria um bom pai. Ele demonstrava que seria um bom pai. Ele poderia não ser o homem que ela sonhou, mas talvez fosse o homem que ela precisava. Ela riu novamente para ele ao virar o rosto pro lado para jogar o cabelo delicadamente tudo mudou. Ela o viu escorado no balcão.
Ela não jogou o cabelo. Foi como se seu pescoço ganhasse vida própria e seus olhos não pudessem olhar para outro lugar. Ela olhava diretamente para ele que olhava diretamente para ela. O mesmo olhar tarado que por muito tempo lhe tirou o sono. O mesmo sorriso com os dentes amarelos que por muitas vezes lhe fez suspirar sozinha. Era ele. Ela tinha certeza e pela primeira vez estava o vendo com exatidão.
Era baixote com uma barriga arredondada, daquelas formada por muitos anos de cerveja. Vestia uma camisa branca encardida, com os três botões de cima abertos mostrando no peito uma meia dúzia de pêlos grisalhos. Ele sorria para ela. Ela suava para ele.
Ele não era bonito. Ela sabia disso, mas ele tinha algo. Algo inexplicável. Ela tentou voltar à conversa na mesa, mas não conseguiu. Quando se dava conta seu pescoço com vontade própria virava na direção do balcão e ele estava lá, escorado, olhando para ela, empinando um copo de cerveja barata.
Ela viu quando ele andou lentamente em direção a sua mesa. Ela sentiu seu coração bater mais forte, sua boca secar, suas mãos suarem, seus olhos embaralharem como se mais ninguém estivesse no local, quando se deu conta que ele estava vindo para ela, se desviando por entre as pessoas com um sorriso estampado no rosto, deixando a mostra os dentes amarelados. Ele parou a 30 centímetros dela e ela sentiu seu corpo arrepiar. Ele riu e falou:
“Oi! Posso te pagar uma bebida.” – Ela iria dizer sim. Ela queria dizer sim, mas viu que todos em sua mesa pararam de falar. As mulheres riam baixinho, pela ousadia do taxista meio feioso de camisa encardida que chegava na mulher linda, bem resolvida, espremida dentro de uma mini-saia preta de 500 contos. Os homens apenas olhavam atentamente, como que se planejando as piadas que fariam com ela. Ela não teve escolha.
“Já estou bebendo. Obrigado”. Ela queria que ele insistisse, mas ele não o fez, apenas saiu do bar e foi embora. Ela olhou para o resto da turma e emendou com um sorriso: “É cada uma que me acontece”. Todos riram. Ela riu, mas queria chorar.
Naquela noite ela se esqueceu do Amilton. Em casa ela chorou, perguntando-se porque ela deu tanta importância para o que os outros iriam pensar? Por quê?