Pequenas histórias 116

Silvio e Silvia 5

Não queria correr mais nenhum risco. Silvio saberia o que era isso? Dissera um dia: a vida é um eterno jogo em que nos colocamos numa série de experiência que às vezes afundamos de tal maneira que só podemos seguir em frente. Silvio desde que se conhecia como gente, compreendeu que a vida sempre foi uma eterna luta pela sobrevivência. Sempre se vendendo, se entregando maliciosamente nos braços das noites insanas. Justificava-se: preciso viver, não posso mendigar minha sobrevivência no dia-a-dia consumista, onde o que só se oferece são migalhas sem um pingo de caridade. Detesto gente caridosa, reclamava. Assim desde a adolescência soube o que queria. Desde a adolescência soube o que o corpo poderia lhe dar. E com essa maldita sabedoria, diria tempos depois, é que conseguiu viver até hoje. Quando conheceu Silvia, passava por momento delicado, não de sobrevivência, isso já estava superado. Havia pouco tempo que rompera um relacionamento consolidado por anos de convivência pacifica, até que surgiu um terceiro elemento que desequilibrou a balança até então estável. Sentiu-se traído, violentado em seus sentimentos de fidelidade, teve o peito dilacerado pelo rancor, caindo num sentimento de culpa que por muito tempo jogou-o a deriva perambulando a esmo nos lugares mais sórdidos. Com muito custo conseguiu sair da situação perigosa onde o que predominava era um gosto suicida, de derrota. Não mais pensava tanto na morte, tinha-a colocado para escanteio, voltou os olhos para a beleza do sentimento que rolava no dia-a-dia onde as ações impingiam a monotonia da vida. Descobriu os detalhes pequenos nas coisas grandes, uma mancha que poucos observavam numa forma desigual num edifício, uma ponta de cigarro brilhando entre os escombros de sujeira jogados a esmo numa calçada limpa, o riso descontrolado de um transeunte que nunca ele viu demonstrando ser possível viver com ou sem a dor da perda, o brincar alheio de uma criança entre o caos da avenida, até mesmo, o louco gesto de um mendigo que todos os dias lhe pedia esmola, assim, no pouco a pouco dos detalhes menores da grande vida foi consolidando a renúncia de viver. Prometeu que nunca mais amaria que não mais entregaria o coração para quem quer que fosse. Entregou-se de corpo e alma no aperfeiçoamento da profissão dedicando-se em tempo integral. Ficou quatro meses aproveitando uma bolsa de estudos no exterior, mais precisamente na França, onde conheceu novos amigos, e onde teve a chance em morar na capital, no entanto seu coração, mesmo machucado, estava no Brasil, estava no seu cantinho da grande cidade de São Paulo, não podia deixar os amigos, os parentes, os lugares tão conhecidos de suas andanças, assim sendo voltou. Ao descer no aeroporto, ao abraçar o amigo que fora buscar ele, sentiu-se outro homem, outra pessoa, mais forte, mais corajosa. E repetiu a promessa que fizera: não iria nunca mais amar.

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Pastorelli
Enviado por Pastorelli em 07/11/2015
Código do texto: T5440782
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