Eles Sabiam

Ela sabia o horário em que ele chegaria. Ele sabia que o jantar estaria pronto. Ela abriria a porta como já tinha feito duas mil vezes antes e olharia com uma expressão qualquer que parecesse surpresa ou alegria. Ele daria um sorriso de canto, um beijo seco e tentaria não esquecer de providenciar a cópia da chave no dia seguinte. Sentaria no sofá. Ao afrouxar o nó da gravata assumiria o controle da TV, da novela direto ao canal de esportes. Jantariam assim que ele saísse do banho. Sentados à mesa, ela perguntaria como o foi o seu dia, ouviria que foi bom - a mesma resposta de sempre - e não seria questionada sobre o mesmo. Ele elogiaria a comida mesmo se não gostasse. Era automático. Comeriam indiferença e beberiam silêncio. A atenção dispensada aos celulares os impedia de atentar-se um ao outro. Ela sabia que ele não mais a amava. Ele sabia que ela não era feliz. Ela sabia que havia uma amante. Ele sabia que nela havia a vontade de fazer o mesmo. Ambos sabiam que era a hora de jogar a toalha. Esperavam quem o faria primeiro. Seria mais fácil no momento de apontar os culpados e repartir os bens. Nem tinham o que repartir. Eles sabiam que não se divide amor inventado e felicidade de mentira.