O AMOR DE MINHAS VIDAS
Eneida Maria Cruz Lustosa Madeira
Eneida Maria Cruz Lustosa Madeira
PRIMEIRO CAPÍTULO
COMO O LEITOR ou a leitora pode perceber pelo título, o eixo de minha história é um amor multimilenar que ignora barreiras do tempo e da geografia.
“Na casa de meu pai há muitas moradas”, disse Jesus certa vez. Muitos 20 milhões só no Brasil (IBGE/2006), acreditam que há vidas após a morte física do corpo e que muito além, além do nosso universo visível, existem espaços espirituais onde os espíritos vivem em comunidades chamadas colônias, nas quais seus habitantes – seres extra corpóreos – mantém estreita relação de intercâmbio com o cosmo e de uma forma toda especial com a terra.
Em lrflôr - um desses núcleos espirituais – habitavam, entre tantos, dois espíritos que nutriam grande amor um pelo outro, tendo em vista que em ciclos sucessivos de vida na terra sempre encarnavam como enamorados. Da mesma forma, uma vez de volta ao mundo dos espíritos, voltavam a viver juntos.
Um desses dois espíritos é Laina, integrante de uma equipe de entidades que amparam as pessoas no processo de difícil desencarne. Nesse momento, ela encontra-se em um Hospital do Câncer ao lado de uma jovem de 32 anos, que teve um pequeno nódulo no seio – nódulo esse negligenciado por ela e pelos serviços governamentais que não disponibilizaram informações suficientes nem exames acessíveis. Pois bem, isso era tudo que esse nódulo queria para tomar conta de vários órgãos dessa jovem já mastectomizada e em fase terminal.
Laina, que durante todos esses meses esteve invisível ao redor dessa jovem, envolvendo-a com fluidos relaxantes a fim de minimizar as dores do câncer, assistia a todo o sofrimento dos amigos e familiares que, em preces incessantes, formaram uma corrente fluídica poderosa que matinha a jovem presa ao plano terreno.
Sensibilizada com tanta dor, Laina teve a idéia de liberar o acúmulo exagerado de ectoplasma da jovem, pois sabia que isso resultava em certa melhora. E assim foi feito: a jovem melhorou, os parentes e amigos ficaram mais calmos e deram uma pausa nas preces.
Esse foi o tempo necessário para que o corpo entrasse em falência, possibilitando que o espírito, molécula por molécula, se desprendesse de sua vestimenta carnal.
SEGUNDO CAPÍTULO
O espírito da jovem estava livre do seu corpo doente e, à medida que saía do estado de síncope e recobrava os sentidos, ela se sentia mais confusa emocionalmente, pois não sabia onde estava nem o que lhe ocorrera. Aos poucos, foi ficando mais calma ao ouvir a voz interior que falava nos momentos de aflição e medo quando estava no leito do hospital. Era a voz de Laina, que, carinhosamente, agora lhe explicava sua nova situação, enquanto encaminhava a jovem em espírito para um centro de reabilitação e acompanhamento.
Neste centro trabalhava Álvaro, parceiro milenar de Laina. Ela coordenava uma equipe de médicos que tratava dos espíritos que haviam desencarnado em decorrência de doenças incuráveis ainda na terra. Ao ver Laina, foi ao seu encontro.
- Laina, Laina, o que houve? Você parece abatida!
- É aquela jovem, Álvaro, que eu acompanhava há meses... Ela acabou de desencarnar. O processo de desligamento do corpo foi difícil, e me exigiu muita energia.
- Sei! O desencarne se tornou difícil porque as pessoas ainda consideram a morte física uma tragédia – algo ruim – e não como realmente ela é: uma passagem! Mas, mudando de assunto, recebi um convite do Conselho Consultivo da colônia para estarmos hoje com eles.
- Sério? Você tem idéia do que se trata?
- tenho palpites, há muito eles querem dar seqüência à nossa programação evolutiva.
- Reencarnação?
- É provável! As nossas peregrinações reencarnatórias para corrigir nossos desvios ainda não se deram em razão da sua relutância e da imensa bondade de Deus, que sabe esperar.
- Não vou aceitar ainda, Álvaro! Recuso-me a voltar e me programar para vestir a desajeitada, sufocante e exígua vestimenta da carne, como diz um amigo espiritual.
- Laina, como nós vamos progredir se não aceitamos suportar todas as vicissitudes da existência corporal?
- Aqui, Álvaro! Fazendo o bem, dedicando-nos a servir e aprender.
-Dessa forma, o processo é lento; você sabe que é por meio do enfrentamento dos problemas da vida corporal e em sociedade que nos instruímos moral e intelectualmente.
- Você já pensou que isso pode nos separar por milhões de séculos? Podemos inclusive ir depois para mundos diferentes.
- Laina, nós somos espíritos do mesmo grau, certamente vamos para o mesmo planeta e no mesmo período de tempo; vida após vida, sempre nos encontramos!
- É que você e o amor de minhas vidas! Não quero perdê-lo!
- Oh! Meu amor, eu também a amo! Sei que é incerto o nosso destino, mas haveremos de nos encontrar, sempre nos encontramos!
TERCEIRO CAPÍTULO
- É, mas estou decidida: não reencarno!
Os membros do Conselho Consultivo dos Espíritos, que tudo ouviram e viram por meio de um mecanismo que, para vocês, grosseiramente, seria similar a um “Big Brother” telepático, entenderam que o espírito Laina não se encontrava apto a compreender os benefícios da reencarnação, que objetiva purificação e adiantamento, portanto decidiram reencarná-la de forma compulsória e iniciaram o processo de regressão de Laina imediatamente. Álvaro logo percebeu que o envoltório de Laina estava mais fluídico e a envolvia como um casulo, enquanto ela ficava inconsciente e sujeita ao processo de encolhimento de seu espírito para a reencarnação.
- Qual vai ser seu destino? – pergunta Álvaro, aflito.
- Fique tranqüilo, tudo o que nós estamos fazendo é para o bem de Laina, e você pode acompanhar todo o processo. Já havíamos preparado para ela nascer no lar de um casal que há cinco anos tenta um filho. Vai ser num país bom, o Brasil. Ela será nordestina do Piauí e terá como uma de suas expiações – por ter fobia à vida corpórea – um corpo frágil e dolorido pelo qual ela terá de desenvolver todo o cuidado e carinho.
- Também quero encarnar no mesmo lugar! – disse Álvaro, afobado.
- Certo! Será no Nordeste do Brasil, mas em outro estado: no Maranhão, mais precisamente. Seus pais terão muitos filhos, você será o quinto de uma família de agricultores com muitas terras e gados. – disseram os conselheiros.
- Mas então Laina tinha razão: vamos nos separar! Pois se nascendo num mesmo estado já difícil, quanto mais em estados diferentes, numa época em que ainda não irá ser popular computador, internet etc.
- Não vemos assim. Tenha confiança e deixe que a espiritualidade coordene essa atividade.
E assim foi feito...
O espírito de Laina nasceu nove meses depois, na contagem do tempo da Terra, assistida em todas as fases por Álvaro, que se programou para reencarnar somente depois de certificar-se de que ela estava segura e cercada de amor.
Anos e anos passaram, e o espírito Laina tornou-se uma moça de personalidade alegre, cheia de atividade na comunidade em que vivia; continuava a fazer na Terra o similar ao que fazia no plano espiritual. Muito nova, aos treze anos, dedicava os domingos a ler estórias para crianças internadas na enfermaria de Ortopedia do Hospital Getúlio Vargas de sua cidade. Quanto às suas provações, cedo seu corpo deu sinal de que fora rejeitado e, aos sete anos, ficou sem andar, com as articulações inflamadas, o que lhe acarretava muitas dores. Para melhorar, tinha de tomar, todos os meses, uma injeção tão dolorida que a deixava mancando.
QUARTO CAPÍTULO
Durante sua mocidade, muitos rapazes se apaixonaram pelo espírito de Laina, que anima a personalidade de Monalisa. Com alguns desses rapazes, ela até que se sentiu envolvida, mas bem no âmago de seu ser, uma voz interior lhe dizia: “Esse não é o amor da minha vida!”.
Quando chegou o período de sua formação profissional, decidiu que queria trabalhar com crianças especiais e foi para Fortaleza fazer faculdade de terapia ocupacional. Lá morava com suas tias, que participavam de um centro espírita.
Nos dias de estudo da Doutrina Espírita, Monalisa acompanhava suas tias até o centro, mas não entrava nas salas por opção. Tinha muito preconceito com tudo o que se relacionava com vidas sucessivas e reencarnação. Achava coisa de gente mitificadora e sem cultura; depois, não era vira-casaca ao ponto de trair a religião em que fora educada.
Monalisa entrava naquele espaço religioso (centro espírita) amedrontada, pois sempre ouvia falar que boa parte das pessoas que freqüentavam esses ambientes enlouquecia. Daí a opção dela de ficar na livraria do centro espírita; lá, estava segura entre os livros – companheiros que sempre a acompanhavam – sendo seu grande passatempo a leitura. Certo dia, porém, apareceu uma mulher que lhe disse:
- Tenho visto você sempre aqui, por que você não participa dos estudos?
- Eu não sou espírita, tenho minha religião e gosto dela.
- Sei, mas você gosta de ler livros espíritas?
- Gosto de livros! Penso ser importante saber um pouco sobre cada assunto.
- Tome, trouxe esses dois livros para você, leia-os e depois podemos discutir.
- Você estará aqui na quarta-feira?
- Eu estou sempre aqui. Veja, minha intenção não é torná-la espírita, apenas auxiliá-la nesse tema do seu interesse.
- Ok! Obrigada! Como você se chama?
- Ah, é mesmo! Eu sou Júlia, e este é o meu telefone, qualquer coisa me ligue.
Ao chegar em casa, foi para seu quarto e começou a ler os dois livros (No mundo maior, de Chico Xavier e André Luiz, e O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec), de forma que, no término de um mês, já havia lido os dois.
Esses livros puxaram flashes e evocaram lembranças, emoções, cheiros e imagens dos arquivos psicológicos de Monalisa. A experiência anímica vivida por ela a fez regressar ao passado além da memória cerebral até Irflôr e até Álvaro. E aí também todos os sentimentos de alegria e saudades daquele seu milenar amor. Guardou para si todas essas vivências e continuou a tocar o seu dia a dia com esse “algo” a mais.
QUINTO CAPÍTULO
Certo dia do mês de fevereiro, o namorado de Monalisa foi buscá-la no centro de reabilitação onde ela trabalhava; saíram de mãos dadas. Ele era um rapaz da faculdade que fazia outro curso. Era alto, magro, de bom temperamento e superapaixonado por ela. Ela, no entanto, olhava o namorado com certa tristeza e perguntava a si mesma: “Por que ele não é o amor da minha vida, por que ele não produz em mim sensações iguais às do outro de que eu só me lembro do vulto?”.
- Você está muito quieta hoje, princesa – disse o namorado.
- É que estou pensando na situação de meus pacientes.
- Perdemos o ônibus por causa disso, pois não quis apressá-la.
- Parece que tem outro estacionando.
- É verdade, princesa, vamos entrar.
Quando Monalisa entrou no ônibus, sentiu um calafrio, seu corpo reagiu a alguma coisa e de repente, ela foi envolvida por uma onda de alegria inexplicável vivenciada apenas nos seus estados de transe quando visitava Irflôr. O ônibus saiu e seguiu seu percurso normal. Depois de meia hora, parou em frente à rodoviária, onde era de costume seu namorado descer. Ela, no entanto, prosseguiria no ônibus por mais alguns quarteirões. De repente, Monalisa sentiu uma vontade irresistível de olhar para trás e para a fileira ao lado e, quando seguiu esse instinto, lá estava, olhando para ela, com o olhar mais doce que alguém já a olhou, um rapaz de olhos bem apertadinhos que a cumprimentou com um sorriso puro e confiante de quem diz: “Eu a encontrei... Levou 24 anos para eu encontrá-la, mas eu a encontrei!”.
Um misto de emoção envolveu Monalisa: se por um lado estava feliz com aquelas emoções, por outro estava angustiada, com medo de que na próxima parada ele descesse e ela jamais o visse outra vez. Percebeu que a próxima parada era a dela, e ela, não ele, teria de descer. Quando o ônibus parou, para sua surpresa, ele foi o primeiro a descer e, quando ela desceu, ele a estava esperando com aquele olhar. Monalisa fez menção de seguir andando, quando ele lhe perguntou, em inglês: “Are you a nurse?” , ou seja, “Você é enfermeira?” – disse isso porque ela estava de branco. Relutou em responder por uns instantes, afinal, ele era um estranho... Estranho? Que nada! Então Monalisa lhe respondeu. Eles andaram conversando enamorados por um quarteirão, ele mostrou sua casa e ela lhe disse que a sua ficava duas quadras abaixo; eram praticamente vizinhos há três anos e, naquele dia, finalmente se encontraram.
Namoram durante seis anos, depois da faculdade resolveram se casar e, juntos formaram uma família, com duas filhas.
A vida de Monalisa e Lucas seguia em curso semelhante ao de um rio calmo, e sem muitas ondas de discordância; combinavam em tudo, exceto no quesito religião. Nisso, Lucas era irredutível, falava abertamente que aceitava o fato de Monalisa não ser evangélica, religião que professava, e aceitaria que ela aderisse a qualquer fé, menos à dos espíritos.
SEXTO CAPÍTULO
Um dia, enquanto analisava um prontuário na recepção de sua clínica, uma mulher que parecia mais uma cliente dentre tantas na sala de espera aproximou-se dela e, num sussurro, falou-lhe:
- Veja, eu tive um impulso compulsivo de comprar esse livro no aeroporto de São Paulo, durante o vôo para Fortaleza, li todo o livro, agora estou com um impulso a mais de repassá-lo a você!
- muito obrigada! Eu sempre leio livros espíritas.
- Seu esposo também gosta desse tipo de leitura?
- Não, infelizmente, ele tem muitas restrições.
A mulher entendeu o tom de resignação de Monalisa e acrescentou:
- Entendo! Esse livro tem muita energia, deixe-o ao alcance do seu marido e acredite nas providências espirituais. Chamo-me Júlia, esse é o meu telefone, ligue-me se der certo.
Monalisa agradeceu mais uma vez e, tão logo chegou á sua casa, fez o combinado: colocou o livro no criado-mudo de Lucas, como se tivesse deixado por acaso. Três dias depois, ao retornar do trabalho e adentrar no seu quarto, deparou-se com Lucas deitado em uma rede e lendo o livro como se estivesse hipnotizado. Daí em diante, Lucas realizou vários estudos sérios da Doutrina Espírita, pois nada lhe parecia mais familiar que a realidade do mundo espiritual.
O coração de Monalisa vibrava de alegria, pois havia sido quebrada a couraça de preconceito que circundava Lucas acerca do Espiritismo. Resolveu, por isso, dar à Júlia o fedback do ocorrido, conforme o combinado. Procurando o número telefônico em sua agenda, viu que havia escrito o nome das duas Júlias com o mesmo número. As surpresas, no entanto, não pararam por aí: ao ligar, percebeu que havia telefonado para o primeiro centro espírita que freqüentara com suas tias.
- Desculpe-me, é que uma senhora chamada Júlia me deu esse número como se fosse de sua casa.
- Entendo! No entanto, não se desculpe, aqui no centro estamos acostumados, muitas pessoas ligam procurando por essa Júlia.
- Sério? E vocês não têm idéia de quem se trate?
- Não! A única Júlia que teve aqui foi há uns cinqüenta anos, até já desencarnou. Contam os mais antigos que morreu quase na miséria, pois gastava todo seu dinheiro comprando os livros daqui e doando-os.
Monalisa, então, entendeu o ocorrido (havia vivenciado uma experiência mediúnica) e lembrou a pergunta de número 459 do Livro dos Espíritos: “Os espíritos influem sobre os nossos pensamentos e nossas ações?” Resposta: “A esse respeito sua influência é maior do que credes porque, frequentemente, são eles que vos dirigem.”
Voltando a si das sua reflexões, contempla Lucas, que brincava com suas filhas e, finalmente, Monalisa olhou para um homem e disse: “Este é o amor da minha vida!”, mas uma voz interior lhe diz:
"NÃO! ESTE É O AMOR DE SUAS VIDAS..."
NOTA DA AUTORA:
Estamos editando em livro este conto juntamente com a autobiografia em cordel de meu esposo Levi Madeira e publicaremos alguns dos comentários que tivermos a honra de receber sobre este conto!
Eneida Maria Cruz Lustosa Madeira
Teraeuta Ocupacional e Escritora
Fortaleza - Ceará - Brasil
31 de outubro de 2015