Coragem no amor

Reza a lenda, que na cidade de Poços de Caldas, no ano de 1920, um casal foi proibido de se amar. Giulia, era filha de Antonio, um italiano rico e viúvo, dono do maior cafezal da região. Michaelo, porém, era um imigrante pobre, funcionário de Antonio. O amor de Michaelo por Giulia e de Giulia por Michaelo, foi essa coisa rara, à primeira vista... aquele carinho que a gente sente por quem a gente quer pra sempre na nossa vida. O pai logo percebeu o que ocorria com a filha, e num ato enciumado e carregado de medo de a filha se casar com um probretão sem status, proibiu o romance, e não apenas o fez, como colocou um capataz de confiança pra andar dia e noite atrás da filha, a fim de que ela não se encontrasse com o rapaz. Mas a moça era esperta e muito apaixonada, e a cada dois ou três dias, driblava o seu olheiro e se encontrava com o seu amado bem no meio da Serra de São Domingos, onde havia uma bela cachoeira que formava cinco pequenos lagos em diferentes alturas da Serra. Eles sempre se encontravam em frente à um tênue véu de água que caía pelos degraus de pedra que se formaram naturalmente, entre um lago e outro; tão escondido e fechado por árvores enormes e robustos arbustos, que mal dava pra ver o céu, e, não fosse pelas pequenas frestas de luz que tudo iluminavam, mal saberiam se o sol ainda estava à pino ou já estava para se pôr. Duas freiras sempre seguiam os dois em segredo e constante silêncio, e, por não poderem entregar o seu coração para ninguém, rezavam o tempo todo, em tom quase inaudível, pela proteção e eternidade do amor que viam crescer entre o belo e jovem casal.

Certo dia, as freiras chamaram um jovem artista que acabara de chegar da Itália, Giulio Starace, para que ele, depois, retratasse alguma das belas cenas que viam ali. E ele foi. E aquele foi, sem saber o último dia que o casal teria para se ver. O artista observou tudo com muita atenção, e reparou que, apesar de haver duas pessoas completamente vestidas, ali, ele via duas almas desnudas, se revelando para a outra de forma terna e sincera. Jamais havia visto tanto amor revelado em trocas de olhares ou um simples dar de mãos e um beijo tímido na testa. "É pra sempre", pensou. E foram embora quando o casal também se foi. Ao chegar em casa, a moça encontrou a governanta rodeada de malas, no pé da enorme escada do casarão da fazenda onde morava com o pai, a mesma em que o seu amado trabalhava. E recebeu a notícia de que partiria rumo à Itália ainda naquele dia. Era um longo caminho até o Porto de Santos. Dias de viagem ouvindo os sermões de seu pai.

Antes de sair da fazenda com a filha, o pai já havia dado ordem para dois capatazes matarem o rapaz que ele repudiava. Quando chegou a hora, se despediu da filha de forma dolorosa, com o pior dos pressentimentos, e veio à saber, uma semana depois, que o navio de sua filha havia afundado. Então há muito que ele perdera sua esposa para uma doença grave, e agora, havia sido responsável pela morte da filha, só pelo fato de tê-la colocado naquele navio. O homem enlouqueceu em meio à solidão e o sentimento de culpa... já o artista, Giulio Starace, ao saber do desenrolar da história, chocou-se, como toda a cidade, quando o caso começou a passar de ouvido para ouvido. Então, ele fez questão de fazer uma obra de arte com todo o seu esmero, e, nove anos depois, em 1929, homenageou o falecido casal, com uma peça enorme esculpida em mármore, retratando o casal da forma que os viu aquele dia... com a alma desnuda. A peça foi colocada exatamente onde os dois costumavam se encontrar... bem no meio da Serra de São Domingos, em frente à um tênue véu de água que caía pelos degraus de pedra que se formaram naturalmente, entre um lago e outro. Hoje, esse lugar é ponto turístico da cidade de Poços de Caldas, e chama-se Fonte dos Amores. O amor trágico foi eternizado ali e vem, ao longo de gerações, inspirando casais à tomar uma boa dose de coragem pra levar o amor à diante.

E afinal de contas, que raio eu quero te dizer com essa história toda?

Eu quero te dizer, meu caro e bom leitor, que a gente vive a época mais covarde, em termos de amor, que geração alguma já viu. A gente vive de bater no peito e bradar que aceita e considera justa toda forma de amor, mas ninguém quer dar a cara à tapa para o dito-cujo. Porque amor, desses de verdade, que não se compra em loja de um noventa e nove, que realmente vale à pena ter, clama por coragem, por força de vontade e, algumas vezes, ego no pó. Porque o amor não vai chegar na hora que você quiser e bem entender, apesar de você viver dizendo que está, primeiro, organizando a sua vida, para que, enfim, seja capaz de amar alguém. E vai ser a hora certa, pra vida e pra Deus, e o seu coração vai sorrir um agradecimento. Só pra você saber, o amor vai chegar e vai te bagunçar todinho. Vai te dar um chá de realidade, e, de repente, você estará, à uma da manhã, com as mãos geladas, fazendo planos tradicionalmente absurdos, mentalmente, com aquela pessoa que, sem dizer nada, te fez querer mudar seus horários e encaixar uma coisa e outra. O amor, meu caro, vai te fazer voltar atrás naquela decisão que você bateu o pé e gritou que era irrefutável. Esse carrasco da alma, que é também o responsável por adoçar uma vida inteira, vai colar, com cola Super-Bonder, a imagem de certa pessoa na sua mente. E, apesar de tudo, vai ser leve feito uma pena. Porque a vida é pesada, sim, mas você vai ver que, com essa pessoa, o existir é bem mais fácil, mesmo depois de um dia de cão. E é por isso que você precisa de coragem. Porque não é fácil abraçar assim uma causa. É o seu coração e o de outra pessoa em jogo. Em cheque. À beira de um precipício colorido, que você não sabe dizer ao certo, se realmente há, lá no fundo, algo fofo e preparado exatamente para abraçar e proteger da queda quem resolveu pular. Hoje ninguém mais é proibido de amar. E ainda assim falta coragem. Falta coragem para optar por uma única pessoa que será capaz de te fazer feliz até depois do fim da vida. Falta coragem pra dizer "não" à todas as outras opções, casuais, secretas e tentadoras. Mas eu vou te contar uma coisa... se você optar por essa pessoa, mesmo sabendo que ele não é perfeito e nem tempo tem, ou que ela é irônica e meio ciumenta, sabendo que vocês vão discutir às vezes, e que hora ou outra vai ser meio difícil, vai ser a melhor escolha da sua vida.

Eu te desejo muita coragem pra tomar uma decisão tão séria e importante, porque O amor, a gente não deve deixa passar, e cuide para não perder, vai por aqueles que ainda choram sobre o leite derramado. E cá entre nós, quando for amor, você vai saber, pois vai se sentir em casa até onde Judas perdeu as meias, vai sentir uma saudade absurda até do que não viveu com a pessoa... o seu mundo inteiro vai, enfim, fazer sentido.

"Que amar é vida

Amae, amae

Mas a quem pôs aqui tanta beleza

À alma da natureza

Uma oração mandae

Amae, orae."

(Alberto de Oliveira)

Débora Cervelatti Oliveira
Enviado por Débora Cervelatti Oliveira em 25/10/2015
Código do texto: T5427093
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