Sem romance
Ela não aparecia. Nem ligava. Nem mensagens. Publicou na sua rede social que estava viajando. Nova York. Mesmo esteve lá natal, ano novo, boa parte de janeiro. No apartamento calefado da mamãe. Jennifer usava um cabelo cobre, sardenta. Diferente da mamãe do ano passado, parecia dizer a cara dele de bobo, sentado na poltrona confortável em frente a lareira, a touca sobre os longos cabelos claros, todo agasalhado de preto. Era bom andar nas ruas cobertas de neve, polvilhada de gelo sobre os automóveis estacionados nas calçadas. As luzes de natal. Mas ali ele era um garoto branco gringo. Só isso. Lá, ele é Charles, o cara, metalman, o cabeludo que pirava as mina nas redes e na rua. Diferente, sofisticado.
O presente da mamãe. Um livro do Stephen King em inglês. Ele lia o inglês fluentemente. Gostava de livros de terror. Stephen King era clássico. Tirou selfie e postou na rede. Os amigos, lá, estavam adorando vê-lo em fotos. Autenticado o seu passeio pelas ruas da principal cidade da América do Norte. Manhattan. Não existia mais o Trade Center. Ele era bem bebezinho quando tudo despencou. Não pensava em Nova York senão como o lugar onde vivia a mamãe. Aquele amigo dela. Brasileiro também, moreno. Ao pé da lareira, um copo de conhaque numa mão.
_Ah, Jennifer, qual é, o garoto já tem quase dezoito pode beber.
Ele ruborizava no rosto branco e comprido, sentado naquela poltrona, o livro que ganhara de presente nos joelhos. Aceitava a bebida. Bebia cerveja e vodca com os amigos lá. Ali bebia moderado. Amigo da mamãe. Quase padrasto. Fazia perguntas. Charles respondia evasivo com os olhos fugindo para a brochura entre seus joelhos.
_Não amole meu filho com perguntas indecentes, Gustavo, protestava Jennifer colocando o assado sobre a mesa. Charles é muito reservado, ele não gosta de falar de suas intimidades pra ninguém, dizia e sorria-lhe solidária, ele sorrindo de volta. Assim ela mostrava, que embora longe da criação dele, ela, como mãe, conhecia-o muito bem.
Tinha um quarto só seu naquele apartamento da mãe. Calefado. Aconchegante, cheio de coisas suas, que o fazia sentir-se à vontade, mas pensava, pensava, assim deitado, despindo os pesados agasalhos e metendo-se sob as cobertas, os olhos para cima. Pensava nos amigos. Lá ele é o Charles. O bonitão, sofisticado, empertigado, cabeludo, metalman.
Ela apenas me usou, pensou um pouco no avião, sentado numa janela ao canto, voltando para o Brasil, depois de se cansar de ouvir Black e Viking Metal, tentando recolocar o livro no foco da atenção, os outros passageiros a cochilar, ou distrair-se com revistas. Ela apenas me usou. Não ligou. Quando eu liguei, chamou, chamou, caixa postal. Fui usado, pensou num semblante sério, fechado. Curtindo minhas postagens e fotos, mas nem aí pra mim. Me usou, pensou chateado, triste, mas de sobrancelhas quase juntas, olhando o céu escuro pelo pequeno vidro da janela do avião.
Os avós o aguardava no saguão do aeroporto. Vinha de camisa e calça preta, mas sem casacos, arrastando a pequena mala. Abraços, beijos de saudade. Quase dois meses, né. Seguiram no carro, o avô no volante, a avó ali no banco traseiro com ele, louca pelas novidades.
Ali ele é o Charles. Mesmo os amigos apareceram em seu quarto aquela tarde. A avó, tão feliz, que nem se importava com o barulho. Andrão, balofo e desconjuntado; Ugor, mais velho, tatuado, barbudo e descabelado, trazendo garrafa de uísque; Max, moreno e de cabelos cacheados compridos e bagunçados, de camiseta regata, jeans rasgado, sentando-se a vontade em cima da cômoda de madeira de demolição, todo folgado. A Bettina, ele não olhou mais com olhos como de há alguns meses. Ela era ainda aquela ruivinha, mais velha, magricela e antipática, que tinha tudo para ser a namorada ideal dele. Charles ali é belo e disputado. Famoso nas redes sociais. Comentado, estiloso cabeludo. Sofisticado. Ela mordeu os lábios pintados de um tom violáceo, desviando os olhos dele como sentindo os olhos dele mais acintosos, parecendo saber que ela não o interessava mais.
Ela não ligava. E se a procurasse? Deixasse uma mensagem in-box? Considerava sozinho, só de cueca em seu quarto, tarde da noite. Considerava descansar. Os amigos, na presença a tarde divertiram ele, e agora ocupava-se do restante no virtual. Os cabelos estavam mais claros, parecendo mais esguio e delgado. Ela on-line. Deitado, uma mão dentro da cueca, outra segurando o iphone no alto dos olhos, recostada a cabeça no fofo travesseiro, os cabelos espalhados, avulsos pela fronha. Mandou um oi. Ela respondeu com um smile. Queria ver ela. Podia? Ela respondia que sim. Ficou excitado, meio que o rosto abrasou tornando-se vermelho, as orelhas queimando.
Fez o tipo. Ultrarromântico. Todo de preto. Estava um dia nublado, mas não frio. O verão estava no começo do fim. Fim de tarde. Ali no portão dela, com aquele buquê de rosas brancas, uma caixa de bombons em formato de coração. Kezia sentiu-se impressionada. Como sabia que ele vinha, tinha penteado os frisos, prendido com uma tiara prateada, o vestido alegremente estampado e leve. E ele parecia alguém realmente vindo de Nova York, ou da Europa. De calça e blusa preta, aqueles longos cabelos tão claros. Ah, ele estava apaixonado. Mas tão novinho. Chamou-o a entrar. A mãe dela, no sofá da sala, impressionada. Rosas brancas, bombons, e um rapaz como aquele. Lindo, mas tão exótico no visual, acreditava.
Charles mostrou-se nervoso dentro do quarto dela. Não porque achasse exíguo, mas porque era o quarto dela. E Kezia com o buquê de rosas parecia mais encantada de que pelos bombons. Levou-o junto ao rosto, sentindo o perfume.
_Senta, Charles, que vergonha toda é esta, disse rindo, mostrando-lhe a cama.
Sorrindo ruborizado, ele esquivou-se para junto da janela lateral, empertigando-se novamente.
_Vou colocar num jarro, disse saindo do quarto um instante, voltando depois com as rosas já dispostas num jarro de acrílico com água, ele ouvindo a mãe dela como dizendo pedindo "deixe aqui na sala, Kezia, rosas tão lindas", e sentiu-se mais confiante, mais à vontade, sorriu bobo em meio ao semblante que tentava se fazer fechado.
Kezia depositou o jarro com as rosas brancas no meio da cômoda, afastando alguns frascos. Admirou mais um pouco, tomando distância, e ele, próximo, vigiava-a naquela admiração.
Puxou-lhe pelas mãos, e trouxe-o sentado na sua cama, bem na ponta, frente a frente. Charles aproximou o rosto, pegou-a delicado pela cintura, encostando os lábios no beijo. Kezia tomou o arreio da volúpia, cavalgando para ele, pelos dois, apertando-o, atirando-o deitado sobre a cama, por cima dele, apertando-lhe o rosto entre as mãos com desejo, enquanto sentia as mãos dele tão tímidas em suas costas.
Demorou um pouco na sala, mas calado, encarando a mãe dela com um procurar de sorriso. Kezia serviu um vinho gelado, pois assim achou melhor. Charles ficou entre as duas, os joelhos um pouco juntos como acanhado e cheio de pudor. Kezia parecia adorar.
_Mas este menino é muito criança pra você, Kezia, disse-lhe a mãe, ao o rapaz sair.
_Se é menino é quase provável que a senhora ache criança né mamãe, protestou a moça irônica.
_Que posso fazer se ele se apaixonou, cismou, alegou a moça. Tinha desvirginado ele, sendo dez anos mais velha. Agora ele estava apaixonado, impressionado. Trouxera-lhe rosas, bombons.
Mas também estava gostando dele. Tão novinho, imaturo, cheio de óbvias imaturidades, mesmo achava, às vezes, de um jeito de se comportar meio afeminado. Talvez ela não fosse acostumada com rapazes sensíveis, acreditou. Tão raro. Os playboys da Zona Norte em sua maioria naquele ranço de presunçosa malandragem velhaca, aprendida nos bailes da vida que mesmo frequentava. Ainda lhe atingia aquele pontudo amor - assim nomeava - por Fabrício. O bonitão malandrinho vivia aí pelos bailes, reaparecendo, na pelada das quadras com os amigos de novo, sem camisa, suado, doido pra se reaproximar, usá-la. Isso que ele fazia. Que tinha se Charles era ainda menininho de dezessete anos, ainda no último ano do colegial, usando cabelos compridos e visual de metaleiro. Ele a tratava com certa consideração que ela ainda não tinha visto nem sentido.
Foi ao cinema com ele. Ver um filme de terror. O livro do Stephen King, outro, uma nova versão. Ele ficou prestando atenção no filme, segurando-a apenas na mão. Depois a levou para tomar sorvete.
_Quer ir no Bueiro sexta-feira, convidou-a enquanto lambuzava-se da taça gelada.
Ela lembrava do Bueiro. Música atordoante de Heavy Metal pesado, galera sinistra, numa dança sinistra.
_Hoje ainda é domingo, disse a espetar seu creme de sorvete com a colherinha, um riso indeciso, vou pensar até lá, respondeu. Curtia admirá-lo. Mesmo lindo, rosto quase angelical.
Amanhã era segunda-feira, ela como cabeleireira, não trabalhava, mas ele recomeçava as aulas amanhã. Último ano do ensino médio.
_No seu quarto, mas e sua mãe?, espantou-se a esquina da rua, Charles.
_Minha mãe tá com uns rolos aí e não veio pra casa, foi explicando, e meu irmão tá lá pra casa do meu pai.
Assustado ele foi. Estava excitado. Tá calor, lembrou Kezia logo ao entrar, trazendo-lhe agua, vendo que ele ficara assim sentado na ponta do sofá, empertigado, espetado.
_Tira esta blusa preta aí, alfinetava a moça num sorriso picante.
Charles aquiesceu, mas ficou assim com a blusa embolada na mão como sem saber o que continuar fazendo. Ela pegou-o pelas mãos, esquecesse a TV, a blusa mesmo aí no sofá, o copo com agua pela metade. Tremia um pouco, mas tentava manter a postura de atitude.
Sentia seu corpo encostado ao dele, os dois corações batendo em uníssono, fortes, bem juntos. Os seios dela como o esquentava, queimando-lhe a pele alvíssima. Os lábios polpudos dela chupavam-no pelo pescoço, provocando-lhe arrepios. Ela que conduzia a ação. Como ele era frágil, delicado, assim debaixo dela, mesmo sendo esguio e alto, deixando-se ser conduzido. Ela sentia-se mais deliciada, e pensava que talvez não fosse o jeito com que ele a possuísse e sim o jeito que ela o possuía, na verdade.
Dormiram abraçadinhos, apertadinhos naquela cama, conchinha, ela segurando-o pelas costas, o rosto preso aos longos cabelos dele, pela nuca. Nossa, sentia-o perfumado, macio na pele branca esquentada, e acabava o prendendo com as pernas também, tão intensa a ele.
Um menino assustado, com ar de donzelo ainda, matutou ela ao acordar, deixando-o dormindo nu sobre sua cama mais um pouco. Vestindo a fina camisola branca, as curvas de mulher feita, negra e magra, era um talhe perfeito e envolvente em Kezia, mas ela admirava o rapazinho estendido na sua cama, nu, as duas mãos em concha a cobrir o sexo, o queixinho pendido sobre o peito, os cabelos longos resvalados em desalinho pelo rosto imberbe nos lábios róseos e delgados, entreabertos, a ressonar.
_Tô apaixonada, convenceu-se num fio de voz balbuciante e suspiroso, é como das outras vezes, mas é apenas um tom que muda como de uma música diferente que se ouve, filosofou a arfar de prazer em deitar mais os olhos no talhe do garoto nu deitado sobre sua cama.