A casa da infância

Não sei como me esqueci de minha casa da infância. Melhor, quando penso nela é como se fosse outra pessoa que tivesse morado lá. Sinto em mim um cheiro de atas maduras e a presença constante de que eu as colhia para dar a João José. O rio ficava logo após um caminho curto e pedregoso que vinha do quintal. Era o que nos separava. Nas margens, João afastado de mim pelas águas e, paralelamente, eu: uma menina de onze anos e um coração que pulsava mais rápido quando via João em seus quinze anos.

João, um adolescente rebelde nas águas do rio, pulava da ponte de ferro, assobiava para as filhas das lavadeiras e cantava no caminho que ligava a casa dele até as pedras do rio. A voz apaixonada pelas canções da Jovem Guarda se misturava aos sons do rio, com suas pororocas nas épocas das chuvas.

Tive dias de ter vontade de pular nas águas e nadar até onde ele estava. Mas meu pai poderia também ter tido a ideia de vir banhar no rio, justo naqueles momentos, o que sempre me fez desistir de concretizar esses pensamentos.

Um dia, estávamos sós, ele em cima da ponte e eu na margem do rio do lado do quintal da minha casa. Eram por volta de umas sete horas. Nem parecia que havia a possibilidade de alguém além de mim estar por ali àquela ocasião. Eu me vi tão despojada de medo e de pudores que gritei:

– João! João José!

Fiquei de pé e agitei os braços. Ele me acenou e pulou da ponte dentro da água. Tive sobressaltos no coração. Uma respiração pesada tomou conta de mim. Ele vem para cá... e agora? Que faço? O que digo quando ele chegar? Minha mente teve pensamentos rápidos e misturados, sem sentidos. Contudo, eu gritara por ele. E eu estava apaixonada.

Sentei-me na pedra em que minha mãe costuma lavar a roupa de casa e, por um instante, vi-me sem pensar em nada. Tão sem ideias, contudo pronta para estar perto dele. E era domingo.

Ouvi os sinos da igreja matriz. Meus olhos e meus sentidos, quase como num momento de comunhão, ansiosos buscavam as braçadas dele dentro do rio. Conheci a correnteza querer levá-lo para longe de mim, porém ele iniciou um nado mais rápido cortando o rio. Entrei na água para ter a certeza de que ele iria parar onde eu estava.

– Está forte a correnteza – gritou ele como para me fazer ficar na margem.

Observei, então, feliz interiormente, que ele se preocupava com minha segurança. Ele tinha belos cabelos negros que mergulhavam com a cabeça a cada braçada.

Por um momento, desviei o olhar do corpo dele, revestida da presença de minha casa logo depois do caminho de uma subida pedregosa. Reparei que o verde das plantas lá no alto, dentro do quintal, que dividia o caminho até o rio em duas etapas, por uma cancela, era de um verde lodoso, como se tivesse adquirido um tom mais forte que nem a voz de meu pai quando me aconselhava para ter cuidados com os homens.

– Mas você está sozinha aqui, Nena?

A menina, dentro de mim, apavorou-se. Meu coração ficou pequeno e a voz não quis sair. Pus-me a correr, descalça mesmo, pois os chinelos estavam na margem bem próximos de onde ele havia ficado quando chegara a nado.

As mãos de João José se agitaram em conjunto com a voz.

– Ei, menina! Que houve? Eu te disse algo que não devia?

...

É... Eu era estranha realmente. Ainda agora, eu estava com a cor das paredes de fora da velha casa de minha infância em minhas recordações, todavia não sei bem se eram azuis ou verde-claro.

– Ahn?! Não entendi... repita por favor!

– Eu disse que não sei bem o que a Senhora quer...!

– Vou completar cinquenta e quatro anos. E, pela data, penso em fazer um slide biográfico... Mas eu tenho péssima memória e isso me dificulta na realização desse desejo.

– Então, a Senhora terá de voltar a detalhes de seu passado, a começar pela infância, mamãe!

– Por um acaso você sabe o que é voltar a rever o primeiro amor?

[...].

É o que eu pensava. Voltar no tempo e pisar na mesma rua, entrar na casa que foi de meus pais na infância e, sobretudo, voltar-me para caminhar pelas casas da margem do rio... aperta-me de encontro a um passado distante, como se não fosse tão meu... A um passado onde deixei João José.

Teresa Cristina flordecaju
Enviado por Teresa Cristina flordecaju em 17/10/2015
Código do texto: T5418045
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