O PRÊMIO DA QUEDA
       O vento sopra violento, movimentando os galhos das árvores da Praça Matriz. Algumas folhas caídas formam um tapete colorido no chão. Um bem-te-vi pousado no galho de um ipê amarelo é a única companhia para uma senhora idosa, sentada no banco da praça. Ela olha com ar melancólico para sua aliança no dedo esquerdo. Leva a mão até os lábios e beija aquele símbolo. Lágrimas deslizam pela sua face pálida. Nessa hora é possível ver os sinais deixados pelo tempo no seu rosto.
       Duas crianças chegam na praça de bicicleta e ao passar em frente da senhora, lhes dão um meigo sorriso. Ela olha e acena para eles. Lentamente a mulher levanta do banco, segura firme sua bengala e caminha até a porta da Catedral. Quando sobe as escadarias, tropeça e cai. Um andarilho que se encontra por perto corre e acode a mulher, levantando-a. Ela se refaz do tombo, olha para o seu socorrista para agradecê-lo e esse abre um sorriso. A mulher se espanta e dá um passo atrás. Um silencioso interrogatório une os dois olhares por algum tempo.
       Após alguns minutos, ele se aproxima, toma suas mãos e lhe dá um beijo na aliança e com delicadeza ajuda-a à descer as escadarias. Eles sentados num banco da praça conversam e após alguns momentos, ele se põe de joelhos diante dela e chora como um menino. Ela estende seus braços e o envolve em seu peito.
       As lágrimas de ambos se encontram numa perfeita comunhão de sentimentos e o que se percebe é a ressurreição de um amor rompido pelas fraquezas humanas. Nessa hora o homem saca de seu bolso uma foto antiga e mostra para ela, que emocionada reconhece a foto de casamento de ambos e a encosta junto ao seu peito. Ele toma-a em seus braços e lhe beija apaixonadamente como se fosse o primeiro beijo vivido por eles.
Um sacerdote se aproxima e, depois de conversarem, ele os abençoa com o sinal da cruz. Satisfeitos com esse encontro casual, os três se dirigem até a Secretaria da Catedral para uma conversa reservada. Os dois convidados e o padre se acomodam na sala. O ambiente aconchegante propicia ao desabafo.
       A senhora se apresenta:
       - Meu nome é Izabel Ramos e estou nessa cidade a passeio. Resido na cidade de Descanso
       - Eu me chamo Lourenço da Silva e moro no mundo sem fronteiras, moro na rua.
       -Pois bem, meus irmãos, sou o Padre Adalberto Nunes. Sou sacerdote nessa Catedral. Estou às ordens de vocês caso queiram falar sobre suas vidas.
       Izabel sendo uma pessoa religiosa, sentiu confiança e iniciou seu relato.
       - Padre Adalberto, me casei no ano de 1970. Meu marido e eu formávamos um casal feliz. Não tivemos filhos, mas trabalhávamos juntos em nossa fábrica de doces, até exportávamos nossa produção. Nossa situação econômica crescia a cada ano em virtude do nosso esforço e dedicação. Alguns anos mais tarde, foi trabalhar conosco, uma jovem de nome Genira. Foi aí que começou nossa desgraça, padre. Essa mulher ambiciosa seduziu meu marido e em pouco tempo nos separamos. A empresa já estava falida. Fiquei apenas com meu apartamento e eles viajaram para outro Estado, bem distante. Nunca mais soube notícias do meu marido. Nesse momento o padre pede uma pausa e serve um chá para as visitas. Oferece algumas bolachinhas, que o andarilho devora com visível prazer.
       Dona Izabel prossegue:
       - Tentei me recuperar de toda essa amargura, trabalhando como funcionária de uma fábrica de doces. Como conhecedora desse mercado, fui designada à representante da marca e graças a Deus estou muito bem. Nas horas de folga visito um Orfanato. Levo meu violão toco e canto para as crianças. Finais de semana sento na Praça da minha Igreja e com meu violão inicio uma hora de músicas e num instante muitas crianças me rodeiam cantando comigo. Mas padre, preciso confessar ao senhor, que inicialmente alimentei muita mágoa das duas pessoas que me traíram. Foi minha fé em Deus que me libertou daquele estado destruidor.
       - Muito bem, Dona Izabel, o importante é que você deu a volta por cima e hoje é uma mulher feliz. Agora o senhor Lourenço pode falar, se quiser fazê-lo.
       - Quero sim Padre Adalberto. Eu sou o homem que traiu essa mulher!
Um silêncio se fez presente na sala. Todos se olharam e o andarilho deixa escapar algumas lágrimas dos seus olhos fundos.
       - Eu era feliz, sim, ao lado dela, mas fui seduzido por uma mulher falsa, uma vigarista que em pouco tempo conseguiu levar nossa indústria a falência e se apoderou do pouco que eu possuía. Fiquei junto com essa mulher, apenas dois anos. A discórdia era tanto que acabei caindo em vícios. Ela não suportando minha fraqueza, me abandonou. Saí para a rua na busca de liberdade, uma liberdade cheia de obstáculos. Padre Adalberto me diga, foi o destino que nos aproximou hoje?
       -Bem, meus filhos, cabe a vocês dois refletirem o porquê desse encontro? Ainda existe um sentimento unindo o coração de vocês? Estão dispostos a recomeçar uma nova vida, apagando todo o mal do passado? Vocês estão casados pelas Leis da nossa Igreja, portanto só depende de vocês o reencontro num mesmo lar. Ambos, já bem aliviados, se despedem do Padre Adalberto prometendo voltar logo, e saem de mãos dadas.

Lourdes Borges.