Uma cafeteria inspiradora
Eu estudava de manhã, saía, pegava o almoço que minha mãe me mandava e seguia para o cursinho. Todo dia o mesmo trajeto, a mesma rotina, já havia decorado o nome de todas as lojas no caminho, quando um dia decidi passar por uma rua diferente, ela ficava atrás da que eu costumava passar e eu nunca sequer tinha entrado nela, mas sabia que dava direto no meu destino então com meu almoço já em mãos fui andando pela rua. Passaram-se dois carros por mim e fora uma senhora varrendo a calçada do prédio, estava completamente deserto ali... Estava ficando entediada e achando que fora uma péssima ideia passar por ali, já nem olhava para os letreiros quando um garçom saía da cafeteria e me atropelou com sua pressa. A cafeteria tinha várias mesinhas formando um corredor até o balcão, mais algumas mesas numa área mais no interior onde era mais sossegado e minha curiosidade me fez entrar, pedir um café, então procurei uma mesa ao fundo e me sentei, resolvi ligar o notebook que carregava na mochila para terminar um trabalho de biologia.
-- A senhorita gostaria de algo mais para acompanhar o café?
Assustei-me com o garçom e percebendo minha reação ele sorriu e pediu desculpas, sorri de volta reparando o quanto seus olhos eram bonitos, eram escuros, mas brilhantes e intensos...
-- Senhorita?
-- Ah, me desculpe... Eu vou querer uma fatia daquela torta de chocolate.
Apontei envergonhada para o balcão onde uma torta aparentemente muito saborosa rodava na vitrine chamando a minha atenção, eu nem queria comer nada na verdade, só ficara muito sem graça por ter sido hipnotizada pelo olhar do garçom, com um pedido de licença ele se afastou e desviei meu olhar para a tela do meu computador diretamente para uma pasta no canto da área de trabalho nomeada “Acervo”; Eu deixava ali todos os textos que eu produzia, o que era meu passatempo preferido, ou aqueles que eu começava a escrever... Abri a pasta e encontrei um dos primeiros contos que tentei terminar, mas sempre me faltava inspiração, eu resolvi reler o pequeno começo dele e antes de eu terminar já vinham várias ideias na minha cabeça, sem pensar duas vezes me aprumei na cadeira um pouco desconfortável e me pus a digitar sem parar, agradeci sem olhar quando o garçom veio me trazer o que tinha pedido e continuei a transcrever minha imaginação, perdi a noção do tempo enquanto digitava com um sorriso no rosto quando finalmente acabei.
Olhei por cima do computador com um sorriso triunfante e acidentalmente cruzei o meu olhar com o do garçom, o que me fez lembrar a torta intacta ali em cima da mesa, sem duvida devorei-a antes de pedir a conta. Já estava estourando o limite do horário de entrada do curso e precisava me apreçar, despedi-me animadamente do garçom deixando uma pequena gorjeta.
Durante o curso eu só pensava o quanto estava feliz por ter conseguido terminar meu conto e o quanto tinha gostado daquela cafeteria, mal podia esperar para voltar lá novamente... No dia seguinte lá estava eu naquela mesma mesa com um conto diferente e meu café do lado, passei a fazer disso minha rotina e o garçom dos olhos bonitos já me cumprimentava informalmente e me levava para o meu lugar naquele cantinho de onde eu via por traz do meu notebook as tantas pessoas que passavam por ali, alguns casais namorando, outros brigando, tratando de negócios, ou algumas adolescentes que passavam somente para ver aquele garçom.
Eu já frequentava aquele lugar fazia duas semanas quando cheguei numa sexta-feira e uma moça veio me receber, pedi meu costumeiro café e perguntei do garçom enquanto me sentava, com a testa franzida a ouvi dizer que era seu dia de folga e que ela o estava substituindo.
-- Gabriel gosta de acumular folgas para quando precisa viajar ou estudar para a faculdade, mas hoje ele disse precisar mesmo da folga.
Sorri para a simpatia da moça e agradeci a informação. Gabriel era um nome bonito, perfeito para o dono dos olhos intensos... Balancei a cabeça enquanto me punha a escrever, estava terminando mais um conto quando alguém sentou a minha frente, me assustei e ao ver quem era não contive um sorriso.
-- Parece que estou sempre te assustando quando está digitando isso aí...
Era Gabriel, sem seu uniforme de garçom, balancei a cabeça e fechei o notebook depois de salvar o que estava escrevendo.
-- Conheço pessoas viciadas em trabalho, mas nenhuma quem frequenta o local onde trabalha nos dias de folga.
-- Na verdade, eu vim por causa de uma cliente que está sempre aqui, mas sempre tão desligada que nunca tive a oportunidade de chama-la para sair.
Soltei uma risada alta e levantando uma das sobrancelhas perguntei quem era, me pediu para não fingir que não sabia quem era e que o acompanhasse até um restaurante ali perto. Disse que achava isso uma loucura, mas juntei todas as minhas coisas na mochila, paguei meu café e sai em direção ao tal restaurante do seu lado.
-- Então, posso perguntar o que tanto digita no seu notebook?
-- Pode... São histórias, verdadeiras ou inventadas, é meu passatempo preferido!
-- Nossa! Isso é muito legal, será que me deixaria ler?
-- Quem sabe!?
Sorri para ele e continuamos com o papo leve até chegarmos lá, Gabriel puxou a cadeira para mim e me ajudou a escolher um prato do cardápio, não demorou e nossos pratos chegaram. Mesmo enquanto comia, ele não parava de sorrir, fazer comentários e me fazer gargalhar de suas piadas. Quando acabamos de comer, o deixei ler uma história de minha autoria que estava salva no celular enquanto ia ao banheiro, na volta me sentei no seu lado observando-o ler já no final, quando acabou se virou pra mim e eu me lembro de sorrir admirada com suas palavras:
-- Você é a menina mais linda que já vi na minha vida e por isso quis sair contigo, mas depois de ler isso posso afirmar que é mais linda ainda por dentro, tem uma alma maravilhosa e um talento muito bonito!
Com as bochechas coradas pelo elogio coloquei uma mecha do meu cabelo atrás da orelha com os olhos virados para baixo, senti sua mão erguer meu queixo para que eu o olhasse, seu rosto estava de lado como se tentasse enxergar o meu, o que me fez rir. Gabriel me disse que meu sorriso era lindo e que adorava ser o motivo dele, mas antes que eu pudesse dizer qualquer coisa sua boca encostou-se à minha me fazendo perder a noção do tempo ou de onde estávamos, quando nós nos afastamos eu o olhei nos olhos e fiz um carinho leve na sua bochecha enquanto dizia baixinho.
-- Eu ia todos os dias naquela cafeteria por que achava que ela conseguia me inspirar, mas acho que quem me inspirava eram os olhos intensos de certo garçom de lá...
Eu vi seus olhos ficarem apertados com o sorriso enorme que me deu, e foi a minha vez de me aproximar e lhe presentear com um beijo que eu passei a esperar, de coração, que se repetisse muitas vezes ainda.