"O xis da questão"
"O Xis da questão"
Agosto de 1989. Fazia frio, como era de costume naquela época do ano. Na sala de aula, todos os alunos estavam encapotados com suas blusas pesadas e a professora de matemática explicava mais uma vez como fazer uma equação de primeiro grau. Explicação desnecessária para Amadeu, que dominava os cálculos com maestria, assim como os tabuleiros de xadrez. Estratégia e lógica pareciam ter nascido com ele, como se fosse um dom impregnado em seu cérebro, ou talvez, bagagem adquirida de vidas passadas.
Amadeu pouco ouvia as orientações da professora nipônica, e só prestava atenção nos cabelos louros daquela que povoava seus pensamentos: Diana. Ela havia vindo de outra escola, e desde o começo do ano letivo, sentava-se à sua frente. Seus cabelos dourados exalavam perfume mais que agradável, e seus olhos verdes pareciam duas esmeraldas cuja atenção ele não conseguia garimpar. Os poucos contatos com a colega de classe restringiam-se à caneta vermelha que ele sempre pedia emprestado, mendigando algumas míseras palavras. Não possuíam assuntos em comum, já que ela jogava vôlei, e ele, e xadrez. Mas como bom enxadrista, Amadeu tinha em mente uma estratégia para aproximar-se daquela rainha.
O plano era simples: quando fosse pedir pela centésima vez a caneta vermelha emprestada, ele diria, ainda em sala de aula, o sentimento que nutria pela loira. Antes que ela falasse algo, a convidaria para um lanche na hora do recreio, para que conversassem ainda mais. Plano meticuloso, infalível, milimetricamente arquitetado. A professora continuava sua explicação chata, quando finalmente chegou o momento crucial. As mãos do jovem tímido e introspectivo tremiam, e apesar das conversas paralelas dos demais alunos, Amadeu estava totalmente concentrado. Mais uma vez pediria a caneta vermelho-paixão, mais rubra que sua face naquele momento.
Surpreendentemente, a loira disse que sentia muito, mas que a tinta da caneta havia acabado. Amadeu foi pego de surpresa. Sua estratégia ensaiada e friamente calculada sofreu um duro golpe, vítima da ausência daquela púrpura e maldita caneta! Mais uma vez a rainha não fora conquistada. Quando terminou seus pensamentos frustrados, ouviu a professora dizendo, ao final de mais uma equação: “Xis é igual a zero”.
Mas não havia problema: Faltavam no mínimo três meses para o fim do ano letivo, e Diana, com certeza, iria comprar outra caneta vermelha. E aí, sua estratégia infalível finalmente surtiria o efeito desejado...
* O Eldoradense