851-AMOR NAS NUVENS-Cap.11 de "Amor sem Limites"

Publicado no volume 10 da Coleção Milistórias -

"Amor sem Limites"

Acenamos demoradamente para os amigos e parentes que, da plataforma da estação, bem iluminada, nos dirigiam beijos e gestos de adeus, até que a primeira curva mergulhou o trem na escuridão da noite.

O roteiro de nossa viagem de lua de mel começava com o percurso em trem-leito de Paraíso a São Paulo, seguido de viagem aérea da capital paulista até Foz do Iguaçu. Após uma semana de estadia na Foz, outro percurso de avião ate o Rio de Janeiro, onde viveríamos mais uma semana ou dez dias de passeios, restaurantes, cinemas e felicidade.

Juntos, mãos dadas, sentamo-nos no banco estofado da cabine, que logo seria transformado em leito. Abraços e beijos incontáveis e incontgroláveis entre murmúrios de amor eterno, embalados pelo macio movimento do rápido correr do trem.

Verificamos com pesar que não seria possível nem conveniente consumar nossa noite de núpcias nos exíguos leitos da cabine, beliches que mal comportavam uma pessoa. A noite foi insone e chegamos à grande cidade pela manhã ansiando por um bom descanso.

Da Estação da Luz fomos de taxi ao Aeroporto de Congonhas. Ali, aguardamos até as treza horas, a fim de embarcar para Foz do Iguaçu. Esta viagem foi também outra extravagância que estabeleci sem consultar Enny. Na época, as cataratas não eram mais objeto de divulgação turística, pois um cassino que proporcionava movimento de turistas e jogadores, havia sido fechado há alguns anos e cessara o interesse pelos viajantes. Só havia na localidade o Hotel Cassino Iguaçu, no qual reservei acomodações.

Nosso vôo foi pela Cruzeiro do Sul, em um antigo DC-2, avião construído na década de 40 e que continuava firme (não muito) servindo as companhias de aviação do Brasil. O avião com capacidade para uns 20 passageiros estava lotado, para surpresa nossa. Em conversa, soubemos tratar-se de um grupo de convidados, pessoal da imprensa que ia para Foz, a fim de participar da inauguração do Grande Hotel Foz do Iguaçu, construído por encomenda do governo federal.

Era a primeira vez que Enny viajava em avião. Em nenhum momento mostrou receio. Pelo contrário, gostou da idéia quando lhe falei da viagem, ainda como noivos. Mas a experiência a seguir tornou-se quase um pesadelo, para quem fazia a viagem aérea pela primeira vez.

O vôo decorreu normal até pela metade do percurso,quando entramos em uma “zona de forte distúrbio atmosférico”, ou seja, uma área de forte temporal. O avião, com dois motores movidos a hélice, não era pressurizado e não se elevava a alturas superiores à da zona de instabilidade, na qual entrou diretamente.

A tarde clara virou noite de repente. Chuva forte golpeava o aparelho, batendo no vidro das minúsculas janelas. O vento fazia o aparelho de joguete, balançando-o e por vezes lançando-o para lados, para cima ou para baixo. Raios cruzavam-se entre as nuvens com trovões cujo fragor ouvia-se dentro do avião.

Todos os passageiros, sem exceção, sentiram-se mal. A alegria do grupo de convidados terminou e desceu um silêncio só rompido por sons de lamentos e reprovações. Nós – eu e Enny – também sentimos muito enjôo, porém ela em nenhum momento reclamou. Eu me sentia como que responsável por aquela situação desagradável e não sabia o que fazer. Aliás, nada havia a fazer senão sofrer o incômodo daquele percurso da viagem.

Enfim, a tempestade cessou antes da aterrissagem no “aeroporto” – uma pista de pouso sem nenhum conforto. Pálidos, exaustos, despedimo-nos dos outros passageiros. Eles foram para o novo hotel e nós dois tomamos um surrado carro de praça rumo ao hotel onde eu havia feito as reservas.

Era cerca de seis da tarde quando demos entrada no hotel. Um prédio velho, maltratado pelo tempo, onde deveríamos passar nossos primeiros dias de lua de mel.

ANTONIO ROQUE GOBBO

B ELO HORIZONTE, 5 DE AGOSTO DE 2014.

CONTO # 851- DA SÉRIE 1OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 13/08/2015
Reeditado em 13/08/2015
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