Alguém Bate à Porta (Parte II)
Mais uma manhã ensolarada se passa na grande casa. O barulho do pai trabalhando para fazer a reforma da garagem e os gritos e risadas altos das irmãs conversando preenchem cada cômodo. O copo de chá gelado termina de despertá-la.
Conforme a rotina, ela se senta no enorme sofá da sala e abre seu notebook. Coloca uma música calma e checa os emails. Em seguida suas redes sociais.
- Seu bobalhão! - Diz, sorrindo, em relação ao comentário de seu amigo em uma de suas fotos. - Pior é tu que parecia um pedreiro de cabelo curto.
Diversas informações sobre diversas pessoas são vistas com uma passada rápida de olhos. Novamente, nenhuma dele.
Já se passaram anos desde que se viram pela última vez. A imagem dele com outra garota nos braços ficou queimada na retina por muito tempo. Mas mesmo depois da ferida profunda ainda pensava nele de vez em quando. O que estaria fazendo? Com quem? Será que ainda pensava nela?
Não resistiu a curiosidade e acessou o perfil dele. Nenhuma informação sobre relacionamentos. Nenhuma postagem faziam quatro anos. As últimas fotos enviadas mostravam um garoto jovem, de cabelos preto lisos na altura dos ombros. Será que ainda se parecia assim?
De nada adianta alimentar estes pensamentos agora. Está morto e enterrado - Pensou ela, ao mesmo tempo sentindo o cadáver se mexer um pouco, como num espasmo.
Ele provavelmente teria o que merecia. Não demoraria muito até que o seu jeito de ser acabasse por fazê-lo quebrar a cara. Mas a ideia não trazia leveza alguma. O amara de verdade. Não queria vê-lo destruído, nem em sofrimento. Não iria respirar fundo e agir com indiferença caso recebesse notícia que algo acontecera a ele.
Poderia tudo ter sido tão diferente. Ele não era desprovido de qualidades, muito pelo contrário. Ótimo gosto musical, preferência de roupas, inteligente e muito divertido. Mesmo não querendo parecer uma adolescente boba diante dele não conseguia segurar o riso.
Só havia um problema. Ele era extremamente egoísta. Desde que ele se sentisse bem nada mais importava. Gostava de atenção e fazia de tudo para tê-la, e quando teve a chance de ficar com ela de vez, preferiu continuar provando as diversas bocas famintas que nada tinham a dar a não ser prazer momentâneo.
Essa foi a escolha dele. E a sua foi de nunca mais passar por isso novamente. Ninguém mais a faria de idiota. Não deixaria sua confiança ser traída, porque agora possuía pouca.
Seria uma pessoa realmente capaz de mudar? Talvez com o devido estímulo, assim como os dependentes de drogas fazem nos encontros semanais, mas... Algo que seria aparentemente formador da personalidade, uma peça da essência, da alma.
Achou que passara tempo demais pensando nestas coisas, pois o chá já havia acabado. Fechou seu computador, levantou do sofá e decidiu visitar seus amigos, afinal era fim de semana.
- Pai, posso pegar o carro? - Perguntou ao senhor com uma espátula em uma mão e um tijolo na outra.
- Pode. Mas toma cuidado! Se tu bater o carro vou te fazer pagar com o teu dinheiro! - Respondeu ele, rapidamente mas sem tom de incomodação.
Conectou o celular no rádio do carro e configurou para executar músicas aleatórias. A primeira era uma de suas preferidas, bem agitada.
O caminho até a casa dos amigos demorava cerca de vinte minutos. O trânsito estava tranquilo, como de costume. Parou em uma sinaleira em uma esquina. Olhou para o lado e lembrou.
Aquele era o caminho para onde ele morava. Quantas vezes se deram adeus naquela esquina, enquanto cada um voltava para sua casa. No começo morria de vergonha de beijá-lo e era geralmente ele quem se aproximava dos lábios.
- Que merda! - Disse ela, frustrada por tudo.
Como que em resposta ao seu desabafo a música acabou e outra havia começado. Conhecia aquela música. Muito bem. Havia a escutado incontáveis vezes. Quando a ouviu pela primeira vez, junto com ele, rapidamente o associando com aquela melodia tão bela. Depois escutava enquanto chorava, lembrando com raiva da dor que ele a causara.
- Quer saber? Chega! - Berrou para si mesma enquanto o sinal abria e ela dobrava na rua.
Lembrava vagamente onde ele morava. Se passaram anos, mas não haveria muita dificuldade em encontrar a casa. Sabia que era pequena, feita de madeira. E não importava o que estava fazendo nem com quem. Poderia estar com uma namorada nova na cama e ainda assim ela iria falar umas coisas na cara dele.
Mesmo com o tempo a rua continuava igual. Parou o carro em frente à casa dele, o mantendo ligado. O lugar parecia abandonado, com algumas janelas pendendo dos batentes e a grama alta, transformada em mato. Havia se mudado? Não ouvira nada das pessoas que conheciam ele.
Decidiu seguir adiante, desligando o motor e saindo. Os passos do carro até a porta da casa pareciam eternos e pesados. Conforme se aproximava o coração acelerava e a respiração ficava mais custosa.
Ouviu alguns passos. Poderia ser ele. Inspirou tanto ar quanto pôde e bateu à porta. Lentamente. Três vezes.