849-DOCES TARDES DE DOMINGO- cap. de "Amor Sem Limites"

DOCES TARDES DE AMOR

— Você não teve mesmo nenhuma namorada lá em Tapes?

Era uma das primeiras vezes que conversávamos sobre os dois anos em que eu vivera na pequena cidade do Rio Grande do Sul.

— Não, não tive. Prá falar verdade, não tive chance...

Nos olhos suaves e meigos de Enny eu podia ler traços de ansiedade.

— Como, não teve chance?

Sentados nas confortáveis cadeiras do alpendre de sua casa, não cansávamos de estar juntos e trocar confidências.

— Quando recebi suas primeiras cartas, nas semanas seguintes a minha chegada em Tapes, e eu enviei as minhas respostas, a agente do correio, uma patrulheira e fofoqueira cujo cargo lhe caia como uma luva, desconfiou que nós fôssemos namorados ou noivos.

— E então?

— Então, ela espalhou pela cidadezinha que eu já era noivo, recebia cartas todas as semanas de uma mulher. As moças ficaram sabendo e aí... Mesmo porque eu nunca pensei nem desejei namorar ninguém além de você.

— Meu maior medo — Enny me confessou — era de ver você mudado. Pensava: Depois de dois anos ele pode ter estar diferente. Ter mudado muito. E como será rever o meu namorado?

— Eu também pensava que você estaria diferente, mais bonita, o que se confirmou. Por vezes, tive um pensamento idiota – Será que ela ainda gosta de mim?

As cartas trocadas entre nós durante os dois anos em que estivemos separados mantiveram acesa a chama do nosso amor. Foram dois anos em que nunca nos falamos. As ligações telefônicas interurbanas demoravam mais de 24 horas e na prática eram impossíveis. Tentamos nos comunicar através de dois amigos radioamadores, com horário marcado previamente por nossas cartas, mas também em nada resultou.

Cartas semanais e fotos de vez em quando, foram os elos de nosso amor que nos uniu a mais de mil quilômetros de distância.

Cheguei do sul já transferido para agência do banco em São Paulo e estava de férias. Naquelas suaves tardes de primavera de ’57 nosso enlevo era total. Olhos nos olhos, mãos dadas, doces palavras e juras de amor, era o bastante para matar a saudade que sentimos nos tempos de meu desterro.

Noivos enamorados

Era um tempo em que o ritual do namoro ao casamento passava por etapas rígidas, das quais os românticos enamorados não tinham meios de escapar.

Ao retornar do sul, onde trabalhara durante dois anos sem manter outro contato com Enny (a minha suave e meiga namoradinha) senão por cartas, a expectativa era de que nos tornássemos noivos e marcássemos a data de casamento.

Era assim que as coisas funcionavam para os jovens que pretendiam se casar.

Não é necessário dizer da felicidade em que Enny e eu estávamos mergulhados, na primavera de ’57. O meu retorno trazia implícito o “pedido de noivado”, que aconteceu em 25 de outubro de 57, data em que Dona Alice, mãe de Enny, aniversariava.

Foi no final do longo período de férias que Enny e eu usufruímos em dias de enlevo sem fim, confidências, olhares cheios de significado e de promessas.

Em seguida, nos primeiros dias de novembro, fui para São Paulo, apresentei-me no banco e teve inicio uma nova rotina.

Nossa cidade, Paraíso, estava ligada a São Paulo por uma linha de estrada de ferro da Mogiana, com um bom serviço de passageiros, com um trem noturno com vagão-leito que muito iria facilitar nosso romance de amor.

Assim, eu podia visitar minha querida noiva com frequência, viajando à noite. Dado que já entrara a muito em uma fase de economia, tendo em vista o nosso casamento, passei a viajar a Paraíso a cada 15 dias.

Duas vezes por semana nossos fins-de-semana se transformavam em dias de enlevo e felicidade. Enny sempre me aguardava na estação nas manhãs de sábado. Ao chegar, após os doces e carinhosos abraços, eu colocava minha mala no porta-malas do carro de Seu Alípio (um novo DKW-sedã, ano 1957, zero-quilômetro) e ela dirigia até a casa de meus pais. A partir de então, ficávamos juntos o tempo todo.

E aproveitávamos então para planejar nosso casamento: data, hora, padrinhos e madrinhas, convite, essas coisas. O enxoval Enny já tinha preparado com carinho e com a organização que lhe é peculiar.

Alugamos e equipamos nossa casa em Paraíso, onde iríamos morar tão logo Banco inaugurasse a agência na cidade, pois eu já garantira minha transferência.

Sonhos e amor, felicidade e enlevo preenchiam todos os momentos de nossas vidas quando estávamos juntos.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 17 de julho de 2014

Conto # 849 da Série Milistórias

Este conto faz parte da novela “Amor Sem Limites”.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 07/08/2015
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