O ÚLTIMO SOLDADO - 2 de 10
Naquela mesma noite, Aura teve muitos pesadelos e sempre despertava no meio da noite suando frio e com o coração disparado. Ela se erguia da cama e ligava a TV e quando isso não resolvia ela lia um livro mas, prontamente, a lembrança do soldado vindo bater em sua porta lhe perturbava novamente e Aura chorava.
Na manhã seguinte, sua irmã apareceu na casa e encontrou-a se intupindo de remédios. A irmã tomou os remédio da mão de Aura e sacudindo seus ombros ela bradou:
- Aura, você está louca? Está querendo morrer?
- Me deixa, Sofia!
Aura se soltou das garras da irmã e se jogou no sofá. Sofia olhou para os lados e recolhendo as cartelas de comprimidos ela perguntou:
- Cadê o James?
Nesse momento, uma sombra de angústia recobriu o interior de Aura e voltava a recordar da neblina se apagando e da imagem estranha que surgia na estrada.
- Aura, cadê o James?
- Ele partiu para a guerra...
- Quando?
- Há dois anos e meio...
- Como é? Ele ainda não voltou?
- Não...
Aura cobriu o rosto com as palmas das mão e chorou. Sofia fez uma cara de espanto e sentou-se ao lado da irmã. Alisou seus cabelos e a aconchegou em seus braços vestidos de um casaco grosso verde.
- Então a todo este tempo ele está ausente?
Sofia perguntou e Aura assentiu.
- Vou te preparar um banho quente. Fique aqui, já volto.
- Acha que ele está morto?
Aquela frase impediu os passos de Sofia e a fez lembrar da importância de um pouco de bom senso ao responder.
- Não, não acho que esteja morto... Há guerras que se prolongam e os soldados são obrigados a ficarem distantes da família por anos.
Sofia não sabia se suas palavras haviam confortado a irmã, tão somente dirigiu-se para a suite e encheu a banheira com água morna. À medida que Aura tomava banho, sofia organizava a casa que aparentava não ser arrumada a dias. A pia estava cheia de louças, haviam livros espalhados pelo chão da casa e na lavanderia o cesto cheio de roupas sujas.
- Vou fazer um café novo!
Gritou Sofia, esperando ser ouvida pela irmã, mas, tão somente um choro baixinho, vindo do banheiro, se dava para ouvir. Sofia encostou o ouvido na porta e escutou a irmã dizer:
- Por que você me deixou, James? Por que me deixou?
Sofia fez-se presente na casa no restante do dia, apenas com o propósito de consolar a irmã. Aura estava deitada sobre as pernas de Sofia, quando ergueu-se e falou com uma voz cansada:
- Vá para casa, Sofia... Eu vou ficar bem.
- Não, minha irmã, eu vou ficar aqui com você...
- Não se preocupe comigo, já suportei todos esses anos, por que não mais suportaria? Além disso, você precisa cuidar dos meninos.
- Ah, está bem. Mas prometa-me que não mais tocará naqueles remédios!
- Está bem... Eu prometo.
Elas se abraçaram e Sofia deixou a casa. Aura voltava a ficar sozinha. A sombra da noite se espalhou na sala e de repente sumiu, quando a luz da casa foi acesa. Aura atravessou a sala e foi possuida por um desejo de abrir a janela e olhar a estrada. O céu estava nublado e ameaçava chover. O vento que resfriava o rosto de Aura era muito frio e a fez recordar das noites de tempestade em que ela esperava James chegar e acabava adormecendo no sofá e quando abria os olhos já estava na cama e James retirava as botas e se virava para ela, dava-lhe um beijo na testa e sussurrava algo.
Ela despertou dos pensamentos e fechou a janela. Caminhou até o quarto e se cobriu com o cobertor. Quando já ia se perder nos mesmos pensamentos outra vez, Aura ouve alguém bater na porta, olha no relógio despertador que são 19:00 h em ponto e levanta-se. Abriu a porta e era Luan, o amigo de James.
- Luan? O que você quer aqui?
- Aura, eu sei que da última vez agi mal e quero lhe pedir desculpas... É que me preocupo com o seu estado...
- Não precisa se preocupar.
Aura tentou fechar a porta, mas Luan impediu, segurando a porta.
- Mas eu me preocupo! Aura, deixe-me te ajudar...
- Ninguém pode me ajudar... Nem você.
- Me deixe ao menos tentar! Eu juro que...
- Não me jure nada. Por favor, vá embora.
- Está bem, eu irei... Mas não desisti ainda de te ajudar. O tempo está passando e você está deixando de viver...
Ele deu de ombros e atravessou a porta e disse por último:
- Se se olhar no espelho... Verá do que estou falando.
Ao fechar a porta, as palavras do amigo Luan ficaram do lado de dentro. A imagem do espelho no quarto atordoava os pensamentos de Aura. Ela sentiu uma força lhe arrastar até o quarto e parar de frente ao objeto refletor. Ao ver-se refletir, reparou nas marcas nas margens de seus olhos, na palidez de seu rosto e na tristeza que carregava em seus olhos. E chorou.
Não sabia Aura, mas, em outro lugar, nas margens da guerra, do perigo, um soldado fitava a foto 3x4 dela, sentado sobre o chão e encostado numa pedra. Seu rosto tinha alguns ferimentos, também seu joelho e braços. Ao seu lado, outro soldado, que viu a foto de Aura e resolveu perguntar:
- É sua esposa?
- Sim.
- Crer que ela ainda seja sua?
- Quando William retornou para casa pedi que ele fosse até minha mulher, Aura, para avisar-lhe que a guerra duraria mais um pouco, mas que estou bem. Apesar de eu ter a pedido que não me esperasse... Acredito que ainda me espera.
O soldado fitou a foto e sorriu, e concluiu:
- Ela sempre foi muito teimosa.
O soldado do lado retirou um medalhão dourado do bolso e dentro havia uma pequena foto de uma menina.
- É sua filha?
- É sim.
- Sente muita falta dela, não é?
- Muita. Mas esta falta jamais acabará, James... Ela morreu devido ao câncer... E eu nem cheguei a tempo de vê-la.
- Nossa... Eu lamento muito. E como se chamava?
- Bár...
O soldado exprimiu os olhos e lágrimas rolaram por sua face. Ele tentou conter a emoção e terminou de dizer:
- Se chamava Bárbara, minha pequenina Bárbara... Era a cara da mãe dela.
- Vocês ainda são casados?
- Não. Ela sentia muito ódio de mim, nunca entendi o real motivo... Acho que é porque eu nunca estive tão presente em casa. Então nos separamos.
O soldado guardou o medalhão de volta no bolso e seu olhar estava agora concentrado no céu escuro e estrelado. Fazia um pouco de frio, mas na pressão do perigo nem dava para reparar no clima. Ele continuou a dizer:
- Sabe, às vezes me pergunto se tudo isso vale realmente a pena, se sei que posso ser o próximo a ser morto... Mas, de que me importa? Não tenho nada mais a perder.
O soldado puxou a mochila e deitou a cabeça sobre a mesma. Continuou olhando para o céu, mas agora estava deitado e James continuava sentado ao seu lado. O soldado disse:
- Agora estamos aqui e nem podemos dormir tranquilos... Se fecharmos os olhos por algum segundo, pode ser que sejamos atingidos... Eu já nem lembro da última vez em que cheguei a sonhar.
James estava quieto, refletia no que ouvia do companheiro. Deveras, ele tinha sono, mas não conseguia pregar os olhos e sempre que tentava o fazer sentia como se mísseis atravessassem o céu à sua frente e ele tinha que estar preparado... Tinha que ser um guerreiro, ágil, forte, corajoso... Não podia escolher entre viver ou morrer, não tinha tempo para isso, não tinha escolha.
Continua...