Abismo

Era comum todas as noites, ela sentar-se com um pedaço de papel à beira de um precipício e olhar o abismo aos seus pés. Era comum ela fechar seus olhos, e desejar profundamente que tudo não passasse de um pesadelo. Ali, o ar era frio, calmo, agonizante. O tempo passava em câmera lenta, e tudo ao seu redor desaparecia. Olhava para cima e podia observar a imensidão do infinito. Ela gritava com alma pelo seu nome, pois no fundo, sabia que ele podia escutá-la onde quer que esteja. As luzes piscavam, dançavam, penetravam em seus olhos escuros e medrosos, fazendo-os expulsarem suas lágrimas indescritíveis, guardadas e silenciosas. Cada uma com um peso que não podia ser calculado. Era como se desabasse o mundo em suas costas e não se podia fazer nada. Cada uma que escorria lembrava-a de cada promessa que não pode ser cumprida.

– Abra seus olhos – ela ouviu.

E suas pálpebras abriram-se lentamente, e suas pupilas dilataram ao ver a imagem do seu amado ali próximo a ela. Podia sentir seu hálito abrasador tocando seu rosto, enquanto seus olhos beijavam-na.

O tempo parou!

– Não pode ser verdade, como você está aqui? – Perguntou a ele.

– Não sei, só sei que ouvi seus murmúrios e vim secar suas lágrimas.

Logo, a noite fria não teve mais efeito sobre seu corpo, pois sua presença aquecia-o de tal forma, que o fazia entrar em erupção.

Seus braços enrolaram-se, seus olhos encontraram-se. A tristeza que ela tinha não existia mais, a angústia que tomava seu cotidiano desaparecera totalmente. Era apenas ele e ela. Dançaram ao som da meia noite. Percorreram o caminho do amor, onde tudo resumia-se no querer, onde tudo era possível. As lembranças preencheram o vazio em seu peito, e os seus olhos lacrimejados observavam cada detalhe daquelas imagens. Aquele abraço acolhedor. Ela absorvia aquela energia, aquele suspiro, aquele sopro. Guardou cada pedacinho de todos os momentos dentro de si em um lugar onde ninguém jamais poderia alcançar.

– Salve-me! Estou em chamas, perdida, não podes ver?

– Não perca suas esperanças nem a sua fé, apenas confie em mim – disse ele.

Foi ali, que ela notou que precisava atravessar vários oceanos de lágrimas, jogar-se em inúmeros abismos e deixar seus batimentos cardíacos guiá-la pela escuridão, aí sim, poderia viver estes momentos para sempre. Irá entender como tudo acaba de forma indiferente, por motivos banais, mesmo que seja tarde demais. Às vezes, as coisas são como realmente devem ser. E no final, tudo acabam-se em nada, a um monte de nada, a nada sobre nada. A imagem dele foi ficando fraca, tudo ao seu redor voltava ao seu lugar de origem, o céu girava rápido e a lua clareava seu quarto. Sentiu seu coração bater e, em um piscar de olhos, voltou para o mesmo lugar, do mesmo jeito, com as mesmas roupas e as mesmas tristezas. Estava sentada na cama e olhou para o móvel que tinha o retrato deles com a data que se conheceram e o símbolo do “infinito” ao lado. Guardou a certidão de óbito que estava em suas mãos e adormeceu.

Pablo S Figueiredo
Enviado por Pablo S Figueiredo em 18/07/2015
Reeditado em 13/08/2015
Código do texto: T5314779
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