A Miragem:Capítulo 9/Final-Adeus

Parei em frete à lápide.Tirei a aliança do bolso e a coloquei em cima da lápide,cuja superfície tinha gravada ‘’Manuella Spazzi Ortega Borgia-Querida filha,mãe e esposa’’

Era o enterro de Manuella.O funeral da minha esposa.

Foi em um Sábado.Estávamos com 50 anos.Nos mudamos do nosso apartamento para um simples casa amarela de andar único,janelas comuns,com uma piscina no quintal coberto por grama e coqueiros.Decidimos fazer essa mudança quando Júnior começou a trabalhar como médico e quando Henrique ingressou na faculdade de psicologia,sendo que ambos começaram a morar sozinhos.Emile já tinha feito 18 anos e ficou conosco.

Naquele momento,Manuella estava tomando banho.Por algum motivo,ela demorou no banho.Fui até a porta,bati e chamei por ela e no momento que não consegui ouvir a sua voz,chutei a porta para abri-la.Uma cena assustadora veio aos meu olhos.Ela se encontrava caída no chão do boxe do chuveiro,nua,com o chuveiro ligado e sem dar sinal da sua respiração.Gritei por Emile.Ela me ajudou a cobrir Manuella e leva-la até o hospital.

Quando chegamos ao hospital,nós a levamos desesperadamente para dentro.Os médicos não pouparam esforços e tempo para lhe trazer uma maca e leva-la até a Ala de Emergência.Sentamos e esperemos por uma resposta.Emile não podia se conter.Mexia ambas as pernas de maneira psicótica,mordiscava as unhas,seus olhos se entupiam em lágrimas,falhando em tentar conter a ansiedade e o desespero em saber sobre o estado de saúde de sua mãe.Cheguei perto dela e coloquei a mão em seu ombro.

-Emile...-Disse,antes de ser rapidamente interrompido.

-Ela vai ficar bem?-Disse ela.A julgar pela sua expressão,uma única frase poderia servir de estopim para que chorasse.

Fiquei sem palavras.

-Por favor Pai,apenas me fale se ela vai ficar bem...Por favor-Ela começou a se encolher no meu peito,ao mesmo tempo que envolvia seus braços pelo meu corpo,me abraçando.Emile começou a chorar.

Só aquilo bastava em demonstrar o amor que sentia por sua mãe.Não sei o que aconteceria à Emile se a perdêssemos.

-Sr. Ricardo?-Disse um dos médicos que socorreu Manuella.

-Sim,sou eu-Respondi,enquanto me virava em sua direção.

-Sua esposa está acordada.Quer falar com ela?

-Sim,quero-Me virei para Emile-Não vou demorar.

-Tudo bem-Respondeu Emile,tranquilizada.

Beijei sua testa,levantei e acompanhei o médico.

-O que aconteceu com ela,Doutor?-Perguntei,preocupado.

-Aparentemente,ela sofreu um infarto.Nossa equipe fez o possível em ajuda-la.Tudo o que fizemos foi reanima-la e medica-la.

-E quando ela vai receber alta-Minha preocupação só crescia e crescia.

-Bom,tenho certeza que ela não vai sair daqui tão cedo,mas por enquanto,com os medicamentos que usamos,sua esposa está bem.

Chegamos á porta da quarto.

-Vou deixa-los a sós-Disse o médico antes de ir embora.

Coloquei a mão na maçaneta e a girei.Abri a porta.A primeira coisa que vi foi Manuella deitada em uma cama,com a metade na qual suas costas e cabeça repousavam levantada,aparentando estar dormindo.Cheguei perto da cama.Ela virou seu rosto para mim,lentamente,e esboçou um sorriso quase na mesma velocidade.

-Oi,meu amor-Disse ela,com uma voz fraca.

-Oi-Retribuí,com um certo sentimentalismo.

-Não me lembrei direito do que aconteceu.Só fui tomar banho e senti um aperto no coração-Disse devagar,sob o efeito dos medicamentos.

-Isso não importa,você está bem agora-Disse,quase chorando.

-Quer saber de uma coisa?Se não fosse por esse maldito infarto,eu fugiria daqui e correria para nossa casa.

-Tudo bem,amor.Só precisamos esperar que você melhore.Assim,vai voltar para mim,os meninos,Emile...

-Emile...Minha filha...Ela está aqui?-Perguntou ela,com calma.

-Sim-Respondi.

-Chame-a,por favor,quero falar com ela.

Fui até a porta do quarto e pedi para que a chamassem.Alguns segundos depois,ela chegou,com seus olhos vermelhos de tanto chorar.

-Mãe!-Disse Emile,animada,correndo para abraçar Manuella.

Ambas se abraçaram.Emile chorava como nunca antes e Manuella,ainda calma devido aos medicamentos,a abraçava calorosamente enquanto deslizava uma de suas mãos nas costas da cabeça de Emile.

-Eu fiquei tão preocupada com você-Disse Emile,aos prantos.

-Eu também fiquei.

Emile afastou de sua mãe lentamente.

-Minha filha-Disse Manuella,usando de suas últimas forças e mantendo sua mão nas costas da cabeça de Emile-Não sei quando vou melhorar,ou quando vou sair daqui,mas não importa o que acontecer,eu te amo,te amo muito.

-Também te amo,mãe!-Disse Emile,com um sorriso banhado por lágrimas,antes de Manuella usar sua mão nas costas da cabeça de Emile para se aproximar do seu rosto e lhe dar um beijo em sua testa.

Alguém bateu levemente na porta algumas poucas vezes.

-Me desculpe se os interrompi-Era o mesmo médico-Mas ela precisa descansar agora.

Eu e Emile nos olhamos,depois olhamos para Manuella.

-Podem ir-Disse ela-Eu vou ficar bem.

Nos convencemos.Emile foi a primeira a sair e fui logo atrás dela.Entretando,alguém agarrou a minha mão.Era Manuella.Em seguida,ela me puxou para perto dela,posicionando minha orelha esquerda perto da sua boca.

-Ricardo,você é a minha alma gêmea-Sussurrou ela,gradativamente-Sempre foi e sempre será a minha alma gêmea.É por isso que eu te amo.

-Eu também te amo,meu amor-Sussurrei.

Ela virou o meu rosto,fazendo com que eu olhasse diretamente em seus olhos e me deu um beijo de despedida.Pelo movimento dos seus lábios,podia saber do sono torturante provocado pelos remédios que tomara.

Paramos de nos beijar e fui embora do hospital,mais preocupado do que antes.Voltamos para casa de carro.

02:30.Não conseguia dormir.Nem Emile.

Tivemos nossas mentes bombardeadas por pessimismo e pensamentos cruéis.’’Será que ela vai ficar bem?’’,’’Quando ela vai sair daquele hospital?’’,’’Ela vai...?’’.Tentava fazer qualquer coisa,mas nada afastava esses pensamentos.

Nós estávamos assistindo televisão.Mesmo assim,a preocupação continuava presa dentro de nós.Demorou muito para olhar a minha mão e ver os meus dedos batendo no braço do sofá freneticamente.Não aguentava mais aquele sofrimento.

02:43.O telefone tocou.

Inicialmente,tomei um susto com o toque e me apressei para atende-lo.Era o médico que falou comigo no hospital onde Manuella estava internada.Conversamos por alguns segundos.Por fim,desliguei o telefone com uma expressão desanimada.Emile levantou do sofá.

-Quem era?-Perguntou ela.

-O médico daquele hospital.

-E o que ele falou?

-Sobre sua mãe.

-Ela?...-Podia sentir a tristeza em sua voz.

Acenei,indicando que sim.

Manuella havia falecido.

-Não...Não pode ser-Disse Emile,enquanto começava a correr em minha direção e a chorar abraçada a mim.

Não pude me conter.Também chorei.

O dia do enterro chegou.

Todos os presentes no enterro eram em sua maioria parentes de Manuella,sendo que alguns eram meus.Júnior e Henrique vieram ao enterro e quase não disseram uma única palavra,extremamente chocados com a perda de sua amada mãe.Jaime e Marina também compareceram ao enterro.Ver Emile e Marina chorando abraçadas era demais para o meu coração.

O enterro acabou.Dirigi para casa junto com Emile.Quando chegamos,ela decidiu se trancar no próprio quarto e dormir.Precisava de um tempo sozinha.Entrei no meu quarto e sentei na minha cama,me esforçando para processar tudo aquilo.

-Sinto muito pela sua esposa.

Olhei para o lado.Luisa estava sentada sentada ao meu lado na cama.Ela usava um vestido branco e seu cabelo rinha estava em um loiro forte,quase branco.Quase a ignorei.Pelo meu olhar,ela sabia que eu estava pensando sobre algo.

-O que foi?-Disse Luisa

-Foi como na última vez.

-Como assim?

-Com Daniela.

O rosto de Luisa,antes neutro,se moldou,demonstrando tristeza,ao se lembrar de Daniela.

-As mulheres que eu mais amo morreram e eu só tenho você.

-Eu não diria isso-Respondeu Luisa.

-Como assim?

-As pessoas podem morrer,mas elas vivem dentro de você,pelas boas memórias que você passou com elas.

Ela estava certa.A madrugada com Daniela e o aniversário do meu casamento com Manuella vieram á minha cabeça.

-Sabe,apesar de todo esse tempo aparecendo nos meus sonhos,eu senti que você sempre ficou ao meu lado-Disse.

-Que bom que você pensa assim-Disse ela,sorrindo.

Seu sorriso me contagiou e meu rosto esboçou um sorriso tímido.

-Ricardo,eu quero que você fique com isso-Disse ela,enquanto movia sua mão em minha direção-Pra você sempre se lembrar de mim.

Ela me deu um anel transparente.Olhei para ele.

-Obrigado...-No momento que fui me virar para Luisa,ela tinha desaparecido.

Saí de casa.Fui até o quintal e parei na borda da piscina.Observei o anel atentamente.Vi que havia um desenho pintado em tinta preta em sua superfície,que se estendia por toda a circunferência do anel.O desenho de uma floresta.Árvores,pássaros,arbustos e uma mulher caminhando por ela,com seu vestido pintado em verde esvoaçando.

-Meu amor...-Ouvi uma voz feminina

Coloquei o anel no meu bolso.Aquela voz vinha da piscina.Pouco depois,pude consegui ver a pessoa que disse aquilo debaixo da água da piscina.Parecia uma mulher,mas não sabia quem era.A água da piscina se movia muito,deixando sua imagem tremida.

Ela tirou suas mãos da água e a colocou nas minhas pernas,me puxando.Caí na água.Por algum motivo,conseguia respirar dentro da água.A dama da água se finalmente se mostrou em seguida.

Manuella.

-Senti saudades,meu amor-Disse ela,com uma voz suave e olhar sedutor.

Mesmo em baixo da água,sentia o cheiro do seu perfume.Suas mãos macias percorreram o meu rosto,acompanhadas do seu belo sorriso,cujos dentes que o formavam eram tão brancos quanto pérolas.Usava um vestido verde,como o que foi usado por Luisa em um dos meus sonhos.Cabelos negros como a noite e olhos azuis como safiras.

Uma obra de arte.

-Você é a minha alma gêmea-Disse ela,antes de fechar seus olhos e se aproximar.

Senti o sabor do seu batom de cereja pelo seu beijo.A cada movimento dos seus lábios,me deliciava com aquele sabor.

Algo me puxou e me tirou da piscina.Foi Emile.

-Pai!O que aconteceu com você?-Gritou ela,desesperada.

Olhei para ela com uma expressão assustada,e depois para a piscina.

-Eu não sei-Me restava dizer apenas isso.

-Mais alguns minutos na piscina e você se afogaria!-Disse ela.Sua voz não se soltava do seu desespero.

O choque de ter quase me afogado veio até mim naquele instante.Não conseguia acreditar.

Me lembrei do anel.Coloquei minha mão no bolso.Ele estava lá,guardado.

Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia)
Enviado por Caio Lebal Peixoto (Poeta da Areia) em 20/06/2015
Código do texto: T5284034
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