O bilhete
A decisão seria naquele dia. Não haveria mais solução. Era a hora final.
Escolher entre Paulo e Biro não seria tarefa das mais fáceis. Achava o nome Paulo muito comum para um namorado. Biro era exótico demais. Não gostava de nome nenhum: nem Biro e nem Paulo. Sempre sonhou em namorar um Júlio Verne, ou Victor Hugo, Raul, Charles ou até mesmo um Alexandre. Achava nomes dignos de se namorar.
Paulo sentava-se na última carteira da sala. Bem no canto da parede. Sala lotada. Mal abria a boca para responder presença. Taciturno, mocado, na dele. Era de poucos amigos e de menos palavras ainda. Participava raramente de trabalho em grupo e isso quando era obrigado. Odiava aulas de Educação Física. Certa vez deixou escapar que odiava suor. O dele e o dos outros.
Biro era falador, daqueles que falam até com as paredes. Enturmado e chegado em todos, transitava bem entre todos os grupos. Não era dos mais bonitos, mas sempre tinha umas palavras bonitas pra falar. Ainda que fossem decoradas de algum verso, era coisas boas de se ouvir.
Uma única coisa os unia: gostavam de poesia. Paulo lia Augusto dos Anjos. Numa das raras vezes que abriu a boca disse saber quase todas as poesias dele, de cor. Biro lia Gullar, declamava Gullar, devorava Gullar. Ambos eram perdidamente apaixonados por Bandeira.
Não sabia quem escolher: a estranheza de Paulo e sua devoção por Augusto ou o atrevimento de Biro com seu sempre feroz Gullar. Mas já era hora de escolher um deles.
Na hora do intervalo, deixou um bilhete dentro da mochila de cada um. Fez isso quase como se fosse uma operação de guerra. A hipótese do flagra seria um desastre. Um desastre em proporções épicas. Te amo: era o que estava escrito. Simples assim: te amo. Para dois leitores de poesia era quase uma afronta a simplicidade daquele bilhete, mas era o que de mais puro conseguira escrever. Mas como amava os dois? Isso era um tormento, dia e noite.
Como não amar Paulo, tão calado, sisudo, quase um poeta romântico, que via tudo com um olhar da calma e silêncio? Como não amar Biro, sempre tão espalhafatoso e culto? Desejava os dois. Aquilo esfaqueava-lhe o peito de maneira organizada e pontual. Queria-os tanto, tanto. Era desejo demais. Era desejo.
Voltaram à aula e observava se alguns dos dois tinham achado o bilhete na mochila. Olhava com discrição. Nada. Pelo menos não via nada, não observou nada. E se passaram as horas... E os dias... E as semanas...
As férias chegaram. Seu coração ainda suspenso sem saber se algum dos dois tinha pegado o bilhete: te amo. Os dias de pausa escolar passaram arrastados, pesados, sofridos quase como um bom fado. Sofridos como um bom poema da Florbela Espanca. Ou áspero como um bom poema do Gullar. Ou estranho como um bom poema do Augusto dos Anjos.
As aulas recomeçaram e seus olhos ficaram arregalados de surpresa: Paulo se mudara de cidade e Biro morrera num acidente com a família dois dias antes. Ficou sem nenhum dos dois. A única opção era a terceira: ficar só.
E Álvaro passou o resto da vida sem saber se tinham visto o bilhete: te amo.