DIA DOS NAMORADOS - 2015
Dia dos namorados –
UM CONTO DE OUTRO MUNDO
Carlos Lira
Dia dos Namorados, dos Enamorados todos os dias, todos os sóis, todas as luas, todas as tardes, as noites todas... Nada melhor que amar em tom maior, em todos os tons que as tonalidades possam oferecer... Dia dos Namorados, dos Bem amados o dia, nem dos bem amados também, o dia... E Santo Antonio onde fica? Ou não fica quem o amor pontifica? Santo Antonio, Santo Antonio, todo o amor que tu celebras, de todas as gentes, de todas as raças, de todos os credos... será? Quem abençoa os romances dos que rejeitam este santo? Sei não...
O rapaz e a moça, 12 de junho, dia ensolarado, uma tarde outonal, por sinal os dois nasceram se amando, senão vejamos... Antonio Vicente é três anos mais velho que Maria Luísa, a sempre bela de Antonio... Ele 24 anos, ela 21 anos, exatos 21 anos eles se amam desde que ela nasceu... Marca do destino ou amar a que se destina? Como? Os pais destes jovens são amigos há mais de 30 anos. Moram na mesma rua, casas vizinhas, amigos verdadeiros, solidários companheiros, fins de semana, bate bola domingueira, o churrasco, os passeios, as crianças que nascem, crescem em grupo, amam-se como irmãos.
Entre Antonio Vicente e Maria Luísa, a história foi diferente: o filho da vizinha, Toinho pequenino, aos três anos admira a recém nascida Luísinha, a Maria de seu viver. Desde o nascimento da menina, o destino determinara: “esta criaturinha, Toinho, será a tua mulher!” Este fato pode ser considerado o verdadeiro “amor à primeira vista”. Dona Maria do Carmo, a Carminda, e dona Maria das Dores, a Dorinha, mães das crianças, tiveram um sexto sentido, sibilantes exclamavam: “Estas crianças nasceram para se amarem!”. Momento da delicadeza! Os anjos disseram amém!!!
Cresceram como todos nós crescemos: Antonio Vicente menino ativo, bom de bola e bom de briga, levado que só! Liderava a garotada, bom na escola, rumo certo tinha, “carreira na marinha” Toinho queria. Estudioso, aguerrido nesta vida que vivia... Maria Luísa, a Luisinha, tão meiga, olhar vivo, mais menina que mulher, estudiosa, formosa ela crescia, e vivia somente para amar o seu amor que a seu lado vivia...
À medida que cresciam, moça e rapaz se tornaram, amor verdadeiro entre ambos era fato, não crescia nem diminuía, porque amor visceral não possui medida, é por toda a vida, onde nem a morte os separa. Era este o tipo do amor ideal que estes jovens se propuseram. Antonio Vicente não sabia explicar o que sentia, mal vira Maria Luísa no berço, recém nascida, a menina, lançara-lhe um olhar por inteiro, naquele mágico momento o amor foi verdadeiro, eternizou-se! Enraizou-se e a chama do amor acendeu e crepita até hoje, desde ontem, desde sempre, a sua Luísa, sua rainha...
Venceram etapas, cresceram, subiram escadas, cada um à seu contento, Toinho em marinheiro se tornara e Luisinha o curso se contabilidade concluíra... Em um desses finais de semana da vida, depois de longa lida, a uma pousada de interior se dirigiram para melhor viverem a intimidade daquele imenso amor. Timidamente se aproximam da recepção, Antonio Vicente recebe a ficha para preencher os dados de ambos, trocaram olhares, promessas de momentos felizes, os olhos de Luisinha faíscavam estrelas de diversas cores, são joias de brilhos intensos. Sendo a maior dentre todas, a estrela da cumplicidade... Que felicidade ambos sentiam!
Enquanto o rapaz preenchia a ficha de entrada, a moça se afastou um pouco para examinar os quadros na parede – eram reproduções xilogravadas de símbolos regionais por Jota Borges – e o recepcionista pode vê-la por inteiro. Era uma garota muito bonita. Tinha cabelos castanhos lisos e pele morena clara, maçã do rosto rosada. Não muito alta, bem feita de corpo sem exagero, magra, ossos salientes nos ombros. Estava no mundo, aparentava, há pouco mais de 16 anos e, com certeza, muitos ou alguns dos jovens recusados já haviam sofrido e escrito poemas de desconsolo pensando nela. Ou tentado morrer de amor – o que é quase a mesma coisa. Luisinha tinha o grande amor de sua vida, o seu belo Antonio!
Enquanto esperava pelo amado, Luisinha fixou toda a sua atenção nas gravuras de Jota Borges. Eram reproduções de homens e fatos do nordestino de hoje e de antigamente. Muitos dos hóspedes da pousada tiveram a oportunidade de analisar estas gravuras em momentos de espera, em dias chuvosos que os impediam de sair para conhecer a cidade. Uma cidade pequena, habitada, fora de temporada turística, por velhos, aposentados, convalescentes, ou desiludidos, gente que procurava de qualquer maneira, passar despercebida pelo mundo lá fora. O quadro: Jota Borges, em sua descrição artística havia experimentado um momento genuíno de mais pura sensibilidade em reproduzir os usos e costumes da gente do sertão. Apesar de saber que a arte não é feita de boas intenções, a sua verdade não fracassara, tornara-se famoso pelo mundo inteiro devido a este seu compartilhamento singular...
O olhar com que a moça lançara em tom de despedida – para sempre – daquela obra Borgeana, continha o muito de respeito e admiração. E com isto, ela conquistara o recepcionista em definitivo. Com a chave na mão, o rapaz sorriu para a amada e demonstrava o ar de homem vitorioso. De mãos entrelaçadas, ao subirem a escada de madeira para o andar superior, o rapaz tinha a palma da mão molhada do suor. Havia um pouco de rubor no rosto da menina. Eram muito jovens ainda e, antevendo o grande momento que os esperava, a ansiedade os dominava. Ambos desconheciam como seria a primeira vez de tamanha intimidade. Essas coisas só se compreende depois do fato consumado.
Curioso, o recepcionista percebera ter sido esta a primeira vez do casal e pensava: sem nenhuma bagagem, estes jovens vieram para não ficar. Vieram somente para se amar, como se amor durasse somente um momento. Pelo visto, estes dois vão eternizar este amor que os consome. Eles vieram sem bagagem mas esta felicidade que os domina é a maior bagagem do mundo! Movido pelo encantamento, ele mandou o atendente levar uma garrafa de champanhe ao casal e dissesse que era “oferta da casa”. - - Esta moça e seu olhar de gazela me faz lembrar a outra, em outra esfera, a mais bela mulher que já amei e que me dissera, antes do primeiro encontro, .na subida da escada, mãos entrelaçadas, suor na mão. – pensava o recepcionista.:
- Hoje vou te dar um presente muito especial, o melhor que uma mulher pode dar...
No final do expediente, o recepcionista cerra as portas, sobe a escada, passa diante do quarto dos pombinhos, tenta escutar algumas palavras de amor. Nada escuta. Tudo silêncio. Enquanto seguia pelo corredor da pousada o recepcionista pensava:
- ainda me restam alguns anos pela frente... E o pior disto ser verdadeiro é que jamais terei de volta o tudo de amor que perdi...
Vida que segue, vida viramundo que persegue, que prossegue e tudo consegue quando o amor é verdadeiro... E o amor reinante na vida de Maria Luisa e Antonio Vicente era do mundo o maior, mudo mundo face a tantos beijos, tantos desejos em meio a tanto querer, criaram muito viver à dois, à três e a outros mais filhes que se lhes advierem... Data limite a selar este muito amor. Aos 24 anos ele tinha, ela 21 rainha, pouco a pouco um ninho de amor construíram: casa comprada, de móveis montada, tantos presentes ofertados por amigos, poucos detalhes precisavam para terminar a obra daquele sonho se concretizar. Poucos dias para o casório se realizar, noivado programado para o domingo vindouro, cervejas e salgados foram comprados, para aquela festa acontecer. Fazia muito calor naquele dia, e por pura ironia, o casal sumiu em carro novo comprado pelo belo Antonio! O desespero tomou conta da família! Na vila em que moravam os pais, o desespero tomou conta! Virou notícia em jornais e televisão. Quem podia cometer semelhante maldade? Por infelicidade, a dor os consumia! O que aconteceu com nossos filhos? Oh meu Deus quanto sofrer!
Maria Luisa e Antonio Vicente saíram de casa, foram ao supermercado e depois dirigiram-se à futura casa: tudo novo, pintura nova, tudo era cheiro de novo. Carro na garagem, portão fechado, ligaram o ar condicionado e ali mesmo, no interior do carro, todo fechado, fizeram o seu ninho de amor. No embalo daquele encanto, muitos beijos, muitos ais, muita coisa que se passa em casais que ficam somente entre eles... Não havia tempo para juras de amor, promessas ou preâmbulos... o desejo falava mais alto, o amor clamava por ação de amor, muito amor para amar! Lentamente, uma calma enorme os domina, e... membros entorpecidos, enorme paz os domina... e, embalados neste amor que nunca termina, entregaram suas vidas a Deus...
Uma semana depois daquele dia do desaparecimento, os policiais chegaram aos corpos após uma vizinha ter notado um mau cheiro muito forte vindo da garagem da casa ao lado. Inicialmente a polícia trabalhava com a hipótese de sequestro, logo descartado, já que não houve pedido de resgate ou saques em contas bancárias. Suposta assalto ao casal também não se confirmou após análise de imagens de câmeras de segurança. A polícia encontrou o belo casal abraçado, em franca decomposição por aquele abraço da morte... O gás carbônico os dizimara...
São frágeis a intuição sobre o amor. Já dizia Miguel de Unamuno “o amor é o que há de mais trágico no mundo e na vida; o amor é filho da ilusão e pai da desilusão; o amor é a consolação na desolação, o único remédio contra a morte, da qual ele é irmão”. O amor entre Maria Luisa e Antonio Vicente não cabia explicação. Amavam-se antes de saberem explicar como funciona o amor. A partir de três concepções: Liberdade, Excelência e Personificação podemos conceber alguma ideia sobre o amor: Amor não é dever, é acontecimento, uma liberdade. Ele se desdobra como excelência. Excelência nasce do afeto. As pessoas tornam-se criteriosas por causa de seu bem querer. Esmero e amor se irmanam. O amor descarta ideações. Amor precisa se encarnar, se personalizar. O amor personaliza tudo aquilo que ama. De tanto amor, por muito amar, o amor existente entre Maria Luisa e o belo Antonio assumiu a dimensão do infinito, cresceu tanto que chegou até Deus. Deus é pois a Personificação do Todo, é a Consciência eterna e infinita do Universo. Consciência presa da matéria, esforçando-se para libertar-se dela, Maria Luisa e Antonio, foram além. Experimentaram a suprema glória de amar!
Alguém dissera diante do altar deste supremo amor:
- Eles eram apaixonadíssimos, bem resolvidos e o noivado seria no próximo domingo. Morreram fazendo o que todo mundo gosta de fazer. Mas para que fazer num carro e todo fechado?”
“… pois o amor é tão forte quanto a morte… Nem muitas águas conseguem apagar o amor; os rios não conseguem levá-lo na correnteza. Se alguém oferecesse todas as riquezas de sua casa para adquirir o amor, seria totalmente desprezado” [Cântico dos cânticos, 8.6-7].
Qualquer semelhança, é mera coincidência.