819-AMOR NA CIDADE MARAVILHOSA-Autobiográfico

A saudade consumia meu coração dia e noite. De dia, sob o sol escaldante do Rio, de uma luminosidade sem par, a imagem terna e suave de Enny era constante em minha retina. À noite, em sonhos, vivia com ela momentos doces de um romance quase impossível.

Após tão breve período de alguns meses de namoro, a separação se impôs e, distantes no espaço, tentávamos diminuir a intensidade de nossa saudade através das cartas. Cumprimos fielmente a promessa mútua de escrevermos constantemente; a troca de cartas semanais era então a maneira de que dispúnhamos de manter acesa a chama de nosso amor.

Para mim, não foi fácil. E Enny me contava que para ela também estava muito difícil. Entretanto, insistíamos. Nosso amor, forte e imenso, haveria de superar todas as dificuldades.

Já estava há mais de mês no Rio quando, certa noite no início de janeiro, pelas dez horas, fui acordado por dona Cristina, a proprietária da pensão onde morava. Quando entreabri a porta do quarto, ela me disse:

— Tem umas pessoas aí procurando o senhor.

— Quem? — Indaguei ainda meio sonolento.

— Diz que são da sua cidade.

Troquei rapidamente de roupa, passei as mãos pelos cabelos e fui até a porta da casa.

Minha surpresa foi a mais bonita do mundo!

Ali estavam ENNY, em primeiro plano, acompanhada pelo pai, as irmãs Eliana, Edna e Marlene e Fernando, marido de Eliana.

Foi uma emoção tão grande que as palavras sumiram. Trocamos abraços, depois abracei toda a comitiva, e só então vieram as perguntas.

— Mas que surpresa! Porque não me avisaram? Vieram passear? Conhecer o Rio?

Entre tantas perguntas e muitas respostas, compreendi que estavam no Rio a caminho de Nova Friburgo, onde Marlene iria iniciar estudos a fim de ingressar na Irmandade de Paula Frassinetti, freiras dedicadas ao ensino.

Haviam viajado de carro o dia todo e já tinham encontrado hotel no centro. Depois da efusão do encontro, marcamos nosso encontro para o dia seguinte.

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Seu Alípio e Fernando e Marlene seguiram para Nova Friburgo, onde passaram o dia seguinte. Enny, Edna e Eliana passearam durante o dia pelo centro do Rio.

A tarde de verão era longa e convidativa para um passeio de barca até Niterói e la fomos nós. Após o jantar, ao voltarmos ao Rio, Enny e eu permanecemos afastados das irmãs e de Tio Armando, debruçados na amurada do barco.

Noite de lua cheia, cujo reflexo nas águas da baía tremulava com o movimento das pequenas ondas na esteira do barco. Emocionados e deslumbrados, permanecemos ali durante todo o percurso, comungando com a noite, a lua e as estrelas o nosso amor. Momentos indescritíveis guardados em minha memória com fidelidade de uma fotografia. Os olhos de Enny brilhavam e eu sentia uma ternura tão grande que nem sabia me expressar. O silêncio era quebrado raramente quando falávamos de nosso amor, de nossa felicidade daqueles momentos.

Fugazes momentos, na verdade, mas que enquanto os vivenciamos, se estenderam por uma eternidade.

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No sábado, segundo dia da permanência de Enny no Rio, um passeio por Copacabana foi o programa durante a manhã. À noite, fomos ver o filme “A Fonte dos Desejos”, um das primeiras películas no novo sistema Cinemascope. A história romântica veio acrescentar mais emoção ao nosso encontro. Trocamos olhares e sorrisos amorosos na sala escura, esquecendo até de acompanhar as cenas do filme.

Saí do cinema pisando nas nuvens.

Depedimo-nos à porta do hotel, pois no dia seguinte, um domingo, Enny, seu pai, irmãs e cunhado deixariam o Rio. Partiram bem cedo, ao amanhecer.

Muita coisa importante haveria de acontecer ainda naquele ano que estava começando, mas os dias que passamos juntos na Cidade Maravilhosa foram, sem duvida, os mais belos e emocionantes de todo o ano.

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Inspirados no momentos de felicidade que vivemos naqueles dias, escrevemos os sonetos:

Amor e Nostalgia

Enny, 12 de janeiro de 1955

Você está tão longe, querido, nesta hora

Em que o sol no poente se esconde

E a contemplá-lo como quem o devora

Pergunto, aflita: “Onde estará? Onde...?”

A noite aos poucos desce e, devagar

Cai o negro e sutil manto sobre a Terra

E meus pensamentos continuam a vagar

Como um nômade que por este mundo erra.

Vem a Lua. A Saudade então aumenta

Meu coração Infeliz, chora e lamenta

Você não está nesta hora aqui, porque

De que vale o céu belo e encantado

Todo cheio de estrelas enfeitado

Se eu estou tão longe de você?

O Mar

Gobbinho, 12 de março de 1955

Se te fito com demora

Tu me olhas e sorris

Saber que quem te namora

É aquele que sempre te quis.

De te olhar não me canso

Surpreso fico quando te miro

Ao encontrar sempre novo traço

Em teu rosto trigueiro.

Admiras de eu te amar

De te ser tão devotado

Nunca falas, mas eu que o diga!

Lembra-te querida,do Mar

Que beija a praia, coitado,

Sem jamais ter nada em paga;

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 21 de janeiro de 2013

Conto # 819 da Série Milistórias

Os fatos narrados neste conto datam de

6, 7 e 8 de janeiro de 1955.

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 07/06/2015
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