A força do amor e seus milagres.
Júlio estava sentado em sua cadeira de balanço, observando a chuva que batia na janela da sala, totalmente absorto em seus pensamentos.
Era o dia do seu aniversário, data em que estava completando sessenta anos e que lhe causava uma sensação diferente. Seu estado de espirito mudava e suas emoções afloravam com facilidade.
De repente, as lembranças começaram a surgir em sua mente. As memórias eram claras e ele se viu com vinte anos novamente, época em que conheceu Rebeca. Ninguém jamais poderia imaginar que duas pessoas totalmente diferentes poderiam se apaixonar.
Ele, um garoto desajustado, sempre metido em confusão, fazia questão de ser o bad boy da turma para manter sua popularidade na escola.
Ela, uma garota esquisita, sempre de vestido com um lenço que cobria os cabelos, isolada, sem amigos.
Os dois estudavam na mesma sala de aula, mas pouco se falavam. Ele sentava no fundão, era da turma da bagunça, e ela sentava na fileira da frente, era a garota das boas notas.
O relacionamento entre eles começou no dia em que houve uma forte explosão no banheiro das meninas. Felizmente, o local estava vazio e ninguém se machucou.
Júlio imediatamente foi chamado na sala do Diretor e, interrogado pelo superior, logo assumiu a culpa.
Como punição, assumiu o compromisso de demonstrar melhora em todas as suas notas diante da condição de que, caso não alcançasse as médias necessárias para aprovação, seria expulso da escola.
Sr. Edmundo, o diretor da escola, era extremamente sábio em suas decisões, estava ciente do potencial de Júlio e nunca desistiria de tentar recuperar um de seus alunos.
O diretor informou que Júlio não estaria sozinho nesta missão, afinal, receberia a ajuda de Rebeca, uma de suas melhores alunas.
Embora tenha retrucado bastante, ao perceber que não havia outras alternativas, Júlio aceitou a decisão do Sr. Edmundo. No fundo, não queria dar mais este desgosto à sua mãe.
No início, Júlio combinou com Rebeca de se encontrarem após as aulas. Os dois eram raramente vistos juntos, pois já estavam sendo motivo de piadas da turma, que desdenhava do bad boy com a esquisitona. Entretanto, logo a opinião de Júlio sobre a colega mudou. Rebeca tinha algo de misterioso. Sempre com aquele lenço na cabeça e um vestido comprido, nunca mudava seu estilo.
Sua convivência com ela foi capaz de amolecer seu coração. Não demorou para que passassem a sair da escola juntos, e Júlio não fazia mais questão de escondê-la dos amigos.
Júlio sabia que Rebeca era diferente e aquilo mexia muito com ele. Chegava a sentir falta da garota quando ela não estava por perto.
Ao mergulhar de cabeça em seu mundo, começou a participar de seus projetos solidários e cada vez gostava mais do mundo que descobria.
Júlio começou a perceber o quanto sua vida era medíocre, quanto tempo havia perdido, quanto de sua energia havia sigo gasta com futilidades.
Sua vida estava mudando e sua mãe chegou a comentar que Rebeca estava lhe fazendo muito bem. Logo o seu empenho foi recompensado, e suas notas foram recuperadas.
Tudo parecia estar entrando nos eixos e Júlio se sentia muito feliz. Rebeca era a companhia que lhe fazia bem. Quando estavam juntos, o tempo parecia passar muito rápido e ele fazia o possível para que pudessem permanecer juntos por mais alguns minutos.
Neste momento de plena felicidade, tomou conhecimento da pior notícia de sua vida enquanto acompanhava Rebeca para casa. Ela ficou pálida e desmaiou em seus braços, então Júlio a carregou pelo resto do caminho. A mãe da garota veio ao seu encontro, a colocou no carro e dirigiu-se ao hospital.
Rebeca ficou internada por vários dias, até que sua mãe, D. Lourdes, disse-lhe:
— Júlio, a Rebeca está muito fraca. No ano passado, ela foi diagnosticada com leucemia e seu estado é muito grave.
— D. Lourdes, eu nunca havia percebido nada.
— Ela fazia questão de esconder sua doença para que ninguém sentisse pena dela. Sempre disfarçava os efeitos da quimioterapia ao cobrir sua cabeça com um lenço, para que ninguém percebesse que seus cabelos estavam caindo.
— Com certeza sua companhia fez com que ela melhorasse, estava mais alegre nos últimos meses. Até mesmo nos esquecemos de sua doença, que só agora deu sinal de alerta para avisar que continua nos assombrando.
— D. Lourdes, mas ela só tem 18 anos, não é justo.
Inconformado, Júlio não aceitou a situação. Ficou no hospital até que Rebeca recebesse alta. Acompanhou-a até sua casa e praticamente passou a morar lá.
O convívio somente aumentou o que Júlio sentia e Rebeca deixou-se levar pelos sentimentos sinceros de Júlio. Parecia que ele queria viver aqueles dias como se fossem os últimos. Vivia intensamente e não desgrudava um momento sequer da companheira.
Rebeca começou a ter recaídas e foi internada novamente, passando a receber medicamentos cada vez mais fortes. Desesperado para saber o que fazer, Júlio entrou na Capela do hospital e começou a rezar, pedindo a Deus pela vida de Rebeca.
Pegou, então, a Bíblia que estava no púlpito da Capela, abriu-a em uma página aleatória e começou a leitura. Parecia que aquelas linhas reluziam e as palavras eras de Efésios: “Por essa razão, o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e os dois se tornarão uma só carne”.
Alguns dias depois, Rebeca recebeu alta.
Júlio refletiu bastante e concluiu que suas súplicas haviam sido atendidas. Não aguentando mais de ansiedade, resolveu fazer um pedido a Rebeca:
— Rebeca, tomei uma decisão, quero me casar com você.
— Júlio, não entendo. Não sei quantos dias ainda tenho pela frente, você sabe da minha condição. Não quero que faça esse sacrifício por mim. Isso é uma loucura.
— É justamente por isso. Quer você tenha um mês ou um ano de vida, não importa, quero vivê-los com você.
Quando Rebeca disse sim, Júlio desabou a chorar em seus braços, no fundo não acreditando que ela aceitara o seu pedido.
Casaram-se na Igreja Matriz da cidade, e todos os amigos da escola compareceram. Naquele momento, já sabiam do estado de saúde de Rebeca e torciam muito por sua recuperação.
Alguns hipócritas achavam que Júlio estava se casando com Rebeca por pena, quando mal sabiam que era por amor, pelo homem que havia se tornado graças a ela, pela esperança de um milagre e, finalmente, por sua fé.
Quando Rebeca entrou na igreja, foi difícil conter as lágrimas. Ela estava linda vestida de noiva, e naquele momento não restaram dúvidas: ela era a mulher da vida de Júlio.
Durante algum tempo, o casal dividiu seu cotidiano entre o lar no qual conviviam e as frequentes visitas ao hospital, sendo que cada crise parecia ser mais forte que a anterior.
Júlio sentia-se impotente por não poder aliviar a dor de Rebeca e pedia a Deus que transferisse todo o sofrimento da companheira para si próprio.
Nos momentos em que os remédios faziam efeito, Rebeca aparentava estar bem. O casal, então, rezava e implorava a Deus por mais alguns dias em que pudessem vivenciar o amor que compartilhavam.
De repente, os pensamentos de Júlio foram interrompidos ao perceber que a chuva havia aumentado e o barulho contra a janela estava mais forte.
— Júlio, querido.
Sentiu uma mão tocar seu ombro e virou-se para ver quem era:
— Oi amor, estava distraído.
— No que estava pensando?
— Em você, em como continua linda.
Rebeca respondeu:
— Bondade sua, amor.
Naquele momento, o rapaz se levantou da cadeira e a abraçou. Os três filhos do casal entraram no quarto e, juntos, em um abraço coletivo, permaneceram assim por alguns minutos.
Não é preciso dizer mais nada, todos já sabiam que o motivo de tanta nostalgia era em agradecimento a Deus pelo milagre que havia proporcionado em suas vidas.
Podem se passar mil anos, mas Júlio jamais esquecerá o momento em que Rebeca disse “sim”, o momento que ele considera o início da manifestação do milagre. Os exames foram várias vezes repetidos e a leucemia não estava mais presente em seu corpo.