810-AMOR PLATÔNICO - Auto -biográfico
Sequência de “Amor à Primeira Vista”, do romance “Amor Sem Limites”
Vivi os primeiros meses de 1951 num mundo de mudanças drásticas: o meu primeiro emprego, as aulas na Escola de Comércio, e novos conhecimentos com as muitas pessoas em função dessas atividades. E o mais importante de tudo, o que mudou de verdade minha vida: conhecer Enny.
Adolescente de quinze anos, tímido principalmente ao falar com as colegas de classe, não foi fácil enfrentar as novidades. Nos anos anteriores do curso ginasial, estivera mais preocupado em ler livros das aventuras de Tarzan e revistas de histórias em quadrinhos. Embora me esforçasse para flertar com algumas meninas, não tivera êxito algum.
Então apareceu Enny na minha vida. Pensei cá comigo: É Ela!
Ou melhor, tive certeza de que ela era a mocinha da minha vida..
Entretanto, foi um processo que me exigiu paciência e tempo. Pois, mesmo sendo colegas de classe, não encontrei oportunidade para sequer trocar olhares significativos, quanto mais fazer uma declaração.
Ela era muito simpática, sorridente e cordial — tanto para mim como para com todos os colegas. Nosso relacionamento, além do coleguismo, evoluiu mais para uma amizade. Porém, meus sentimentos foram sempre os mais elevados. Admirava-a por sua inteligência logo evidente nas primeiras aulas. Observava, enlevado, sua maneira de ser, educada, afável, elegante mesmo usando o uniforme da escola, com gravata e boné marrons obrigatório só para as alunas.
Meu pobre coração disparava sempre que nossos olhares se cruzavam: todas as noites, na escola; quando eu ia ao escritório do curtume onde ela trabalhava, ou quando, aleatoriamente, ela ia ao Banco a serviço. Mas, onde estava a coragem de lhe dirigir qualquer declaração de amor?
E o pior (para mim) estava para acontecer: Enny começou um namoro com um rapaz do seu bairro! Nunca os vi dando voltas ao redor da praça central, nas noites de sábado ou domingo, como era hábito em nossa cidade. Entretanto, uma vez, observei-a e o “outro” pedalando nas proximidades da estação da estrada de ferro.
Ô tristeza! Que raiva de mim mesmo por não ter coragem de me aproximar de Enny e me declarar.
Naquela ocasião me caiu às mãos um livro de filosofia e entendi que meu sentimento por Enny era um amor platônico, amor à distância. Um pouco conformado, jamais desisti de amar Enny. Sim, já era amor! Eu não procurava, ou sequer pensava em namorar outra moça.
Enny era inteligente e aplicada em tudo o que fazia. Participava do grupo de artistas da Radio Difusora Paraisense, nos programas de rádio-teatro. Depois, passou a fazer parte do Grupo de Teatro Gente Nossa, que encenou diversas peças não só em Paraíso como em Poços de Caldas e outras cidades vizinhas.
O grupo, dirigido pelo competente e idealista Nicola Carlomagno, ensaiava duas vezes por semana, a partir das 21 horas, no Centro Católico, um salão com palco, ao lado da Escola de Comércio. Por essa ocasião, eu já havia perdido um pouco da timidez e ia assistir os ensaios, para ver Enny — embora visse o seu namorado também atuando ao lado dela. Eu não me importava; Ia pra marcar presença, e ver Enny no palco era o que queria.
Os colegas de classe foram diminuindo de ano para ano. Éramos vinte e seis no primeiro ano, e ficamos reduzidos a apenas onze no último ano. Em conseqüência, a amizade entre todos nós ficou mais forte. Eu freqüentava a casa de Enny, como simples amigo, em algumas tardes de domingo. Inventava pretextos para conversar com ela. Atrapalhava seu namoro.
Quando foi exibido o filme “... E o Vento Levou” no Cine São Sebastião, meu atrevimento atingiu o máximo. Vi Enny e Edna, sua irmã, sentadas algumas fileiras à minha frente. Ao lado de Enny, a cadeira estava vazia — ela estava reservando para o namorado, que chegaria quando as luzes se apagassem e o filme começasse. Não tive dúvida. Aproximei-me, pedi licença e me sentei ao seu lado. Mais tarde soube que o namorado, para quem estava reservado o assento, desistiu do namoro.
A noite da nossa formatura como contabilistas foi maravilhosa. Principalmente porque Enny estava simplesmente mais do que linda. Esbelta em um vestido longo, branco, cintura fina e saia muito rodada, rendas nas mangas e no decote; tinha os cabelos encaracolados por uma permanente (penteado em voga na ocasião) que lhe davam um ar de princesa. Esbanjava elegância com os sapatos de saltos altos.
Fiquei de boca aberta enquanto meu coração batia aceleradamente.
Acabado o curso de contabilidade e cessadas, de há muito, as visitas ao curtume (pois eu já tinha sido promovido no Banco a escriturário) o fim daquele ano de 1953 e o início do seguinte, foi uma tristeza, pois quase não vi Enny.
Alem de inteligente, Enny era muito competente. O diretor da Escola de Comércio, Monsenhor Mancini, a nomeara tesoureira da escola desde o segundo ano do nosso curso. No ano seguinte ao da formatura, ela começou a lecionar na mesma escola a matéria de Economia Política. Fiquei sabendo dessa nomeação antes do início das aulas, em fevereiro. E para a primeira vez em que Enny iria lecionar eu urdi um plano.
A sua aula noturna terminava às oito e meia. Quando ela saiu da escola, lá estava eu, vestido a rigor com terno completo, de um horroroso marrom avermelhado. Com melífluas palavras de cavalheiro, perguntei-lhe:
— Posso acompanhá-la até sua casa?
Lembro-me bem da surpresa estampada em seus doces olhos castanhos. Ela concordou, pois não havia como recusar. Descemos a rua até sua casa, e a conversa não derivou nem um momento para o lado romântico. Porém eu tive a certeza de que havia rompido uma grande barreira da minha timidez e de que daquele momento em diante tudo seria diferente entre nós dois.
Ainda assim, somente na terceira ou quarta noite em que descemos juntos, foi que meu atrevimento chegou ao máximo.
— Vamos tomar um sorvete?
E então, sentados à mesinha da Sorveteria Spósito, tomando spumone, foi que lhe pedi – literalmente pedi – para ser seu namorado.
O “SIM!” de Enny deu início a um novo período de nosso relacionamento e colocou um ponto final a três anos do meu autêntico e fiel amor platônico.
ANTÔNIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, 2 de novembro de 2013
Conto 810 da Série 1.OOO HISTÓRIAS
A Seguir – Amor de Namorados
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