Fones de ouvido

Julio tinha diante de seus olhos um desafio. O nome era Mariana: cabelos longos, perfumada, um sorriso lindo e rosto perfeito. Cingia-a pela cintura, enquanto ela estava absorvida naquela caixinha de música com fones de ouvido.

Havia noites ele mal dormia, perturbado com esse impasse. Era preciso fazê-lo; no entanto os riscos eram grandes. Três palavras – “Eu te amo” – que mudariam tudo, toda a história. Poderia perder, e seria a derrota da única verdadeira conquista de sua vida. Tão cruel, tão difícil – ele tinha 15 anos. Ela também.

Julio era um grande amigo meu. Nesses tempos tão confusos, ele encontrava em mim um irmão e um bom ouvinte. Contou-me o tamanho de seu medo. E se gaguejasse, perdesse a fala? Na adolescência, o maior temor é o ridículo. E se Mariana desse risada, achasse que ele era um idiota?

E ela cantando, curtindo seu iPhone, nem percebia estes pensamentos aflitos. Estavam de namorinho havia dois ou três meses, mas a insegurança de Julio não era de todo infundada. Era uma menina geniosa, de personalidade espantosa, na maior parte do tempo imprevisível. Era por isso, talvez, que nos parecia tão atraente, apaixonante. O amor tem seus espinhos, até hoje nunca o conheci separado do medo.

Mas falemos de Julio. Ele estava tenso como um condenado, e lembrou-se de um conselho que lhe passei numa tarde preguiçosa sob as árvores. A ideia era suavizar a declaração. Poderia dizer, por exemplo, “te gosto muito”.

E Julio o fez. Engoliu em seco, tomou coragem e disse. Mas, da primeira vez ela não ouviu, entretida com algum rock tocando no rádio. Foi então que ele percebeu que poderoso inimigo tinha a sua frente: os fones de ouvido. Que separavam suas almas, isolavam sua amada. Pela primeira vez, ele sentia a incongruência de espíritos que se querem mas não encaixam, desejos opostos que se atropelam.

Ela lhe estalou um beijinho, ao que ele aproveitou para repetir a frase, um pouco mais alto. Ela ouviu, com um sorriso aberto e estático, os olhos querendo adivinhar mais. Não disse nada, e suas bocas se encontraram.

Não era o suficiente para Julio, que esperava o amor. Em sua mente jovem, que ainda tateava mundo e sentimentos, um turbilhão de fantasias revoava. Incompreensão de sutilezas, a tragédia da dúvida, dor do desconhecido. A vida apenas começava, era isso que lhe dava medo.

Então, uma surpresa apareceu. Até hoje não sei se, de fato, foi um acontecimento, ou não, nunca saberei. Acaso ou não, algo mudou em Julio, e para ele o mistério termina assim.

Mariana, sempre com os fones colados no ouvido, balançando a cabeça contente, cantava. O azul de seus olhos visitava as pupilas de Julio. E a canção que deslizava na voz dela tinha o refrão “Eu te amo, eu te amo”.

GMarcone
Enviado por GMarcone em 21/05/2015
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