CANTO DO AMOR MORTO

Na terra encantada das palavras, não encontro frase que disfarce a insensatez desse meu estar. Olho, vasculho, cato, embrulho, varro lembranças, faço tranças e nada. É como se por onde fosse uma grande borracha me seguisse. Não quero mais descrever sentimentos. Senti-los já é um fardo e tanto.

Terei perdido as rédeas das letras ou terei me deixado levar pelo que se formou de concreto até aqui, onde borboletas são relíquias do devir? Não tenho respostas, mas ainda me deixo guiar por indagações quase sem sentido. Percebo que as pessoas são incoerentes; agem em meio aos trilhos que disfarçam os trens que abandonam. Estou cheia de gente. Um cansaço de fazer dó.

Li, dia destes, um texto cheio de bichos mágicos; de interrogações suspensas. Entretanto, percebi que tudo o que estava posto era bem raso. Frases repetidas ecoando histórias misturadas, pois isso é o que somos: um monte de histórias que começam, acabam ou simplesmente descartamos sem colocar o bendito (ou seria maldito?) ponto final.

Desde então – faz pouco tempo – uma tristeza com ar nebuloso pairou no teto. Comecei a rever rostos, conversas, brigas, afetos, intrigas e, não sei por que, não me vi como parte deste complexo emaranhado de fatos que alguns costumam denominar de passado. Pensei então: Ainda não passou? E isso, isso sim me deixou com uma raiva de dar câimbra no queijo e na alma, numa vontade de rir e de chorar. É hora de enterrar os mortos, me adverti rapidamente.

Contudo, parado na porta do quarto, como já ocorreu outras tantas vezes, estava o amor. Parecia esgotado. Tentei argumentar, mas ele – o amor – não estava para prosa nem poesia. Fantasma sem forças para seguir adiante, apenas me fitava como se esperasse que eu o mandasse partir. Desolado, o coitado. E eu, sem saber como agir, tomei-lhe pela mão fria e enrugada, e o coloquei deitado ao meu lado.

Passamos a noite toda meio que abraçados e insones. Tivemos tantas noites mais dignas de nós mesmos e agora éramos apenas dois velhos amarrotados e cheios de palavras entaladas num canto da mente, sem chance alguma de romper o silêncio que a garganta da saudade nos impôs.

Foge-me à lembrança o que exatamente ocorreu, mas acho que morremos ao amanhecer, sem tempo para abrir a janela para ver se a chuva era mesmo de verdade e se o dia chorava por nós.

19/05/2015