807-AMOR À PRIMEIRA VISTA-1o. Cap. de "Amor Sem Limites"

1º. Cap. De “ Amor Sem Limites”

Aos dezesseis anos , no início de 1951, fui trabalhar no Banco de Crédito Real de Minas Gerais, que, como tantos outros, foi engolido pelos cartéis financeiros. E uma das exigências de meu serviço era que fosse hábil em datilografia.

Datilografia é a técnica de escrever usando a máquina datilográfica, instrumento substituído pelo computador, entre tantos outros. Ser um bom datilógrafo era condição indispensável para trabalhar em bancos, escritórios e locais onde os registros manuais tinham de ser transferidos para um sistema de escrita a máquina.

Em minha cidade – linda São Sebastião do Paraíso - havia a Escola de Datilografia Remington das Irmãs Paiva, única em sua especialidade, e nela me matriculei para aprender a “escrever à máquina”, como se dizia. O que, de início, seria um curso de dois ou três meses, conforme a capacidade de cada aluno, se transformou, no meu caso, num dos fatos mais importantes de minha vida.

Aula marcada para o segundo horário, de oito às nove da manhã, lá estava eu na primeira segunda-feira de fevereiro (dia 5) sentado em uma das cadeiras colocadas no pequeno jardim à frente da sala de aula, aguardando que outros alunos, madrugadores, terminassem a hora de treinamento orientado pela paciente dona Emília Paiva.

Manhã clara, radiosa, de pleno verão, o sol já estava esquentando as moleiras. Eis que uma mocinha morena, magra, cabelos pretos com uma franjinha ondulada na testa, olhos castanhos, se adentra pelo portão estreito, puxando sua bicicleta. Elegante, mesmo lidando com a bicicleta, que encostou no canto do jardim. Passou por mim sem me olhar direito. Eu, porém, a olhei com surpresa e atônito. Talvez até com discreta insistência, apesar da timidez que me era própria então.

Meu coração disparou. Se a manhã estava luminosa, mais linda ficou. Não a conhecia, jamais tinha visto, mas senti algo muito estranho. Agradavelmente estranho. Não sabia, na minha inexperiência de garoto adolescênte, que o que sentia era amor à primeira vista.

Depois disso, minha vida nunca mais foi a mesma.

A aula passou rápida e, atabalhoadamente, nada fiz direito. Ela ali ao meu lado, parecia que já tinha alguma prática, pois movimentava os dedos sobre as teclas com desenvoltura. Eu, “catando milho” no teclado.

À saída da aula, a mocinha nem percebeu que eu estava ali, coração disparado, corado de vergonha, mudo, sem coragem de falar uma palavra. Pegou sua bicicleta e saiu pedalando pela rua, com desenvoltura e rapidamente desapareceu na curva da primeira esquina.

Quedei-me apalermado, chateado comigo mesmo pela falta de coragem de lhe dirigir pelo menos um cumprimento, um bom dia.

Seguiram-se as outras aulas. Eu não me atrevia sequer a cumprimentá-la. Mas o destino tramou a meu favor.

No meio da semana seguinte, na parte da tarde (os bancos abriam de meio dia às três e meia) eis que a mesma mocinha chega à agência do banco. Uma de minhas funções era ajudar no atendimento aos clientes. Quando ela se aproximou do balcão, eu já estava lá, solícito para atendê-la. Ela queria pagar uma duplicata da firma para qual trabalhava.

Nosso contato foi rápido, e nem então tive coragem para iniciar um diálogo além daquele a respeito da duplicata. Mas ouvi sua voz suave e musical, sua maneira educada de falar e recebi um sorriso meigo e adorável. Quando ela saiu, os colegas me informaram que a duplicata era da firma de seu pai, um importante curtume nos arredores da cidade, onde ela trabalhava, e que se chamava Enny.

Mais uma semana se passou e na minha tarefa de levar avisos de vencimentos aos estabelecimentos comerciais e industriais, coube-me ir até o tal curtume. Longe do centro, numa chácara do outro lado dos trilhos da estrada de ferro Mogyana. E quando cheguei, quem vejo no escritório do curtume? Ela! ENNY!

Maravilha. Deu para trocarmos algumas palavras: nada de alem de nomes e coisas triviais. Saí de lá pisando nas nuvens.

E mais uma vez o destino me ajudou.

Havia me matriculado no curso de comércio da Escola Técnica de Comércio. Aulas noturnas de 19 às 21 horas e dez minutos. Local: casarão antigo que havia sido a Escola de Farmácia. Sala de aula no segundo andar.

E quem vejo, ao subir a escada para minha classe? Ela, ENNY! E entramos na mesma sala!!!

Mais uma coincidência que vinha em meu favor.

A partir de então, como colegas de classe, desenvolveu-se um relacionamento interessante: ela me tinha como colega, mas eu a tinha como namorada. Só que não me revelei. Foi um amor platônico de minha parte nos três anos em que fomos colegas na escola comercial.

Nossa amizade virou namoro, de verdade, quando... bom, isto é assunto para outra crônica.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 19 de outubro de 2013

Conto # 807 da Série 1.OOO HISTÓRIAS

Data real da 1ª. Vez que vi Enny:

1ª. Segunda feira de fevereiro de 1951 – 5 de fevereiro de 1951

A seguir: # 810 – Amor Platônico

Este conto Faz parte do livro "Amor Sem Limites".

Pedidos: argobbo@yahoo.com.br

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 18/05/2015
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