ESSA HORA AMANHÃ

Noite fria de primavera, 1945. Agora me arrependo de não ter escrito para ela. Mas eu não saberia o que escrever, de qualquer forma. Foi uma batalha difícil. Sobrevivi, só a guerra venceu. Caminho sozinho, sujo de sangue, pólvora e fumaça. Nesse lugar deserto, tropeço frequentemente, com medo de acender a lanterna e ser visto. Estou em território inimigo, preciso sair o mais rápido possível... mas, para onde? Não sei qual é a direção, posso estar indo para os braços dos inimigos. Eu só penso nela... Só penso nos momentos em que vou poder vê-la de novo. Mas eu não sei onde estarei a essa hora amanhã.

Uma luz ofusca minha visão. São soldados. Não são do meu país. Meia volta e corro. Eles me perseguem. Não, isso não pode estar acontecendo. Não vou me entregar. Não vou deixar eles me tirarem dela assim. Vou sobreviver e vê-la de novo. Eles se aproximam, gritando. Não posso tropeçar agora, não posso tropeçar agora, não posso tropeçar agora, tropeço. Dou cambalhota e caio de costas para o chão. Em um instante identifico no céu a Ursa Maior, a nossa constelação. Eu sabia que ela poderia ser vista tanto do meu país quanto dessa terra estranha, por isso pedi para minha amada se lembrar de mim sempre que a avistasse. Meu corpo já não tem mais forças. Eles me alcançam. Os estrangeiros iluminam meu rosto, apontam suas armas para mim.

- Calma, soldado. - Um deles diz, com um sotaque britânico. - A guerra já acabou. Vamos te mandar para casa.

“E agradeço ao meu bom Deus

Pelo tempo que passou

E agora eu sei, onde eu estarei

Esta hora amanhã

Estarei com você”

*inspirado em uma música dos irmãos Arrais