Branca

- Branca? Acordei você? Não, eu não dormi. - Pergunto para minha fiel companheira. Ao nosso redor um repulsivo deserto de gelo, desolação e silêncio. Não vejo ninguém além de Branca e alguns poucos animais selvagens há dias. Subimos e descemos montanhas, atravessamos rios congelados, nos abrigamos sob árvores semi mortas e em cavernas. No horizonte, para onde quer que olhemos, apenas a longa cadeia de montanhas. No céu cinza não há pássaros. Por mais que eu tente, não consigo ouvir o menor ruído exceto o produzido por nós dois nesse deserto frio. Branca ouve algo de vez em quando, nos deixando em alerta, mas no máximo é algum animal solitário passando perto demais de nós.

- Oh, minha companheira. - Lamento em voz alta. - Desculpe te colocar nessa situação. É tudo culpa minha.

Branca lambe minha orelha, animada. Ela é o Husky siberiano mais bem-humorado da face da terra, com certeza. Está sempre correndo, aprontando, lutando. É muito triste vê-la definhando aos poucos. Eu não quero vê-la morrer, mas ela já resistiu demais. Nossos suprimentos acabaram, as intempéries estão destruindo nossos corpos. Por mais que eu tente protegê-la de todas as formas possíveis, eu sei que ela está sofrendo muito.

- Espere um pouco, Branca! - Digo, tarde demais. Ela vai correndo em alguma direção, latindo. - Não, me espera, branca. Me espere um pouco! Não, espera! Branca!

Reúno todas as minhas forças e corro atrás dela, com muita dificuldade para não escorregar nas pedras e na neve. Escorrego. Rolo alguns metros, levanto desorientado e continuo correndo. Latido, som de luta furiosa. Vem de trás de um grande rochedo. Branca deve ter ouvido algum animal e foi atrás dele. Preciso salvar minha querida. Saco o meu facão de caçador, circundo a pedra e vejo.

- Branca... - Está morta. Cinco lobos brigam pelos pedaços dela. Ao me ver, uma refeição bem maior, eles ficam excitados. Estão extremamente magros, não têm nada a perder. A atitude normal de um homem na minha situação seria correr, ser pego por trás e devorado. Mas a visão da minha Branca estraçalhada me deixa em fúria, e eu parto na direção deles antes que venham na minha.

“Espere um pouco, Branca...”

*Baseado em uma música do Palavrantiga