806-O DRAMA DE MISS PANCA - Drama de Amor

Éramos apenas onze estudantes na classe do terceiro ano da Escola de Comércio, no ano de 1953. Oito moças e três rapazes. Aulas noturnas de 19 até 21:45 h, de segunda a sexta-feira. Alguns chegavam cansados pois trabalhavam durante o dia. A classe que tinha sido de vinte alunos no início do curso, fora reduzida pela metade, por desistências dos estudantes.

O companheirismo, mais do que o coleguismo era a tônica de nossas relações, que chegava aos professores e até mesmo ao diretor.

Não havia como esconder nossas peculiaridades, o que ensejava brincadeiras e gerava apelidos. Todos tínhamos apelidos, o que era mais uma forma de socializar, e como éramos jovens alegres, os apelidos eram gaiatos, jocosos, porém nada que pudesse ofender. Não havia como ignorar os apelidos que TODOS tinham.

Houve uma colega, entretanto, que jamais aceitara o apelido que lhe fora justamente atribuído. O que era para criar camaradagem, com ela foi o contrário.

Berenice, Nice ou Nicinha em família, jamais aceitara o apelido de “Miss Panca”, devido ao seu andar impostado, sua cabeça sempre erguida, numa tentativa de ser elegante.

Era bem morena numa classe de loiros e ruivos. Baixinha, tinha cabelos encaracolados que conseguia alisar (naqueles tempos não havia a “chapinha japonesa” de alisar cabelos) e deixá-los compridos até os ombros (como, alías, era a moda entre todas as mocinhas da época). Olhar suave e melífluo, pretendendo talvez ser sedutor. Lábios carnudos denotavam uma herança negra. Não era feia nem bonita.

Mas seu andar... Ah! Como requebrava os quadris! E olhava sempre à frente, jamais abaixava a cabeça. Se fosse mais alta, seria elegante, mas baixinha que era, a sua “panca”, seu modo de caminhar era um tanto forçado. Dagoberto, o mais gozador, foi quem chamou nossa atenção para a “panca” e o apelido pegou.

Era boa colega, não aborrecia ninguém; entretanto, não gostava do apelido. Talvez por isso, mantinha-se um pouco isolada, não se misturava com as outras sete moças da classe e muito menos com os três rapazes.

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Após a formatura, cada qual seguiu seu rumo, como era natural. Houve por algum tempo troca de notícias, cartas, telefonemas. Um vínculo de três anos de convivência ainda que por poucas horas numa escola de aulas noturnas, ainda era, naqueles tempos, muito forte.

Nicinha foi para São Paulo e com diploma de contadora, conseguiu emprego numa firma de propaganda. Tornou-se namorada de um dos diretores. Era casado, não desquitado (na década de ‘50, modo complicado de legalizar civilmente uma separação matrimonial)

Assim mesmo, propôs a Nice um casamento em uma igreja não católica, casamento pro-forma, já que era impossível um casamento formal e legal.

Combinaram casar-se na Igreja Cristã do Brasil, no bairro de Casa Verde, em São Paulo, que realizava casamentos sem considerar a situação anterior dos nubentes.

O casamento foi simples, assistido apenas por parentes (pai, mãe e irmã, com dois sobrinhos) e meia dúzia de amigos, se tanto.

À saída do templo, a tragédia os aguardava. Escondida atrás das colunas da entrada, a esposa legítima fazia uma tocaia, segurando firmemente uma bolsa. Quando Euzébio e Nice assomaram à porta, a mulher se destacou e tirando da bolsa um revólver disparou diversas vezes, à queima roupa, contra oos recém-casados.

— Se você não é meu, não será dela! – gritou a mulher (legítima) de Euzébio, enquanto atirava.

Deixou cair a arma diante dos assistentes surpresos e fugiu.

Nice foi atingida de raspão no braço esquerdo. Euzébio recebeu uma bala nas costas.

Confusão, atropelo, desespero. No vestido branco da noiva, manchas de sangue marcavam a tragédia. Euzébio rolou escadaria abaixo, e estatelou-se no cimento cinza da calçada. Desmaiado ou morto.

O carro que os esperava para levá-los ao apartamento transportou os dois para o hospital. Nice, suportando a dor lancinante no braço, sustentava Euzébio em seu colo. O vestido antes branco estava agora ensopado de sangue do marido.

— Não morra, Euzébio! Oh, Deus! Salva meu marido.

Aquele gesto de suporte ao amado, dentro do carro, foi o ato inicial da nova vida de Eunice, que a partir daquele momento, amparou e sustentou o marido por toda sua vida.

Euzébio não morreu, não. Atingido na coluna, ficou tetraplégico e não mais se levantou da cama. At~eo o dia de sua morte.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 17 de outubro de 2013

Conto # 806 da série 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 16/05/2015
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