Poema inacabado

Ferreira Gomes, grande poeta e contista brasileiro do século passado, vivia incógnito em sua rudimentar moradia em companhia de seus livros e da solidão. 
Era um tímido, poucas companhias lhe agradavam. 
Suas composições eram em geral de poemas líricos , sonetos e poesias surreais. 
Era um jovem reservado, de poucos amigos e raras aparições públicas. 
Poucas vezes era visto em saraus poéticos, reuniões sobre literatura ou lançamentos de livros. 
Cunha Lopes, poeta amador era um de seus melhores amigos e admiradores. 
Vez por outra visitava Ferreira para troca de ideias sobre novos autores, livros e literatura em geral. 
Em determinada tarde caminhando pela estrada de chão, Cunha Lopes dirigiu-se à pequena casa verde de muro caiado, circundada por trepadeiras vigorosas e floridas. 
Chegou, lá estava o refúgio do magnífico poeta. 
Cunha Lopes chegou a soleira de madeira escura e tocou a velha campainha de bronze enegrecida pelo tempo. 
Sem respostas, insistiu mais algumas vezes em vão. 
Talvez Ferreirinha como chamam-no carinhosamente, estivesse aos fundos da casa, apreciando seu exuberante pomar. 
Foi até lá verificar. 
Observou a porta dos fundos, estava entreaberta. 
Lentamente ela foi aberta, sob um rangido baixinho. 
Lopes avistou o amigo sentado numa cadeira rústica e o rosto caído sobre uma pequena mesa. 
Chamou a distância, não houve respostas. 
Aproximou-se e tocou o corpo de Ferreirinha. 
Um frio percorreu-lhe o corpo, Ferreira Gomes se fora. 
Estava enrijecido, olhos fixos na parede ao lado, um lápis entre seus dedos pousados sobre o papel amarelado. 
Cunha apanhou o papel sobre a mesa...e tristemente leu o poema inacabado:

ADEUS AMOR 
Para não causar-te mais danos 
E não ver-te sofrer cruelmente 
Pelos desatinos e desenganos 
Ao tratar-te tão rudemente 
Deixo o belo e cobiçado chão 
O rincão que me viu crescer 
E que fez pulsar meu coração 
Não quero este vil padecer 
Sigo... 

Nada mais... 
Lágrimas silenciosas corriam dos olhos de Cunha Lopes, tudo acabado. 
 
 
Publicado no Jornal Evolução - na minha coluna:
 http://www.jornalevolucao.com.br/colunistas/30/maurelio-machado
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