- Eliseu.
               Eliseu ouve a voz de um jeito confuso e vago, como um som distante. Pensa ser a voz de Nicolas, mas isso não é possível.
- Acorda meu amor.
               Eliseu abre os olhos devagar e vê Nicolas sentado em cima da cômoda como antigamente. Os olhos verdes, os cabelos loiros, o sorriso aberto e a mesma roupa que usava da última vez que o viu.
- Nicolas. É você?
- Sim. Sou eu.
- Eu morri?
- Não.
- Você não morreu? - pergunta Eliseu espantado -
- Morri sim. Infelizmente.
- Eu não acredito em espíritos - reclama Eliseu -
- Eu sei. Você já me disse isso. Mas agora você está vendo um.
- É verdade.
- Você mandou buscar um reporter.
- Mandei. Quero me defender da acusação de ter matado você. Estou errado?
- Não.
- Hoje é nosso aniversário. - diz Eliseu num fio de voz -
- Que aniversário? - pergunta Nicolas surpreso -
- 19 de dezembro de 1968. Foi o dia que acordei e vi você pela primeira vez. Sempre comemorei essa data tomando uma canja de galinha. Foi a sopa que você me deu. Lembra?
- É verdade. Você acordou chato e nem quis tomar a sopa direito. - diz Nicolas rindo -
- Chato não. Assustado.
- E pensar que me apaixonei por você nesse momento.
- Ah, foi?
- Aham. E você? Quando descobriu que gostava de mim?
- No dia que você caiu daquele cavalo. Olhei para você desacordado e fiquei louco. Foi muito difícil para mim admitir que eu te amava. Meu Deus como eu lutei contra esse amor.
- Eu adorava seu jeito rebelde, grosso, másculo, mas ao mesmo tempo doce, generoso, romântico e idealista.
- Eu não sou grosso. - defende-se Eliseu -
- É sim.
- Talvez um pouco - reconhece rindo - O contrário de você.
- Verdade.
- Ei, não tive uma vida boa como você. Família rica, neto de general.
- Que eu saiba seu pai nunca foi pobre.
- Mas lutou muito para criar os filhos. Como eles sofreram por minha causa depois da sua morte. Fui massacrado e eles também.
- Eu sei. Minha família também ficou devastada. Coitado do meu avô. Apoiou um golpe e uma ditadura que terminou me matando.
- Quem matou você?
- Fui morto por engano. Depois que você foi embora, tomei uma xicara de café, deitei no sofá e dormi novamente. A polícia invadiu o chalé atrás de você e quando abriram a porta, acordei e ao me virar para ver quem era, senti a bala entrando no meu corpo. Um dor enorme tomou conta do meu corpo e depois um alívio muito grande.
- Então foi a polícia que matou você?
- Foi sim. Eles achavam que era você no sofá e que ao se mexer ia atirar. Um soldado se assustou e atirou primeiro.
- Você morreu no meu lugar - Eliseu estar chorando -
- Não. Morri por que era minha hora neném. Tinha que ser assim.
- Como eu senti sua falta Nico. Ás vezes em momentos difíceis olhava nossa foto até me acalmar.
- Eu sei. Eu abraçava você nessas horas.Eliseu, se eu pudesse voltar atrás, teria feito tudo de novo.
- Eu também. Não mudaria nada.
               Eliseu começou a ficar agitado na cama, sem ar.
- Eu não estou bem.
- Você está vindo ao meu encontro meu amor.
- Ahhhhh........que dor!!!!!
               Uma luz suave envolve o corpo de Eliseu, espiritos junto com Nicolas dão um passe nele. Ele levanta da cama e olha para o seu corpo fisico morto. Está com a mesma aparência que tinha ao conhecer Nicolas.
- Eu morri.
- Sim meu amor. Estamos juntos novamente.
- Eu te amo Nicolas.
- Nosso amor não acabou Eliseu. Nunca vai acabar. É eterno.
               O livro Diário de Um Amor Rebelde foi lançado após um ano da morte de Eliseu, virou um best seller e foi adaptado para o cinema. O general Pedro Augusto, com um cancer terminal, deu um depoimento a Comissão da Verdade confessando ter atirado em Nicolas Ribeiro por engano. Morreu um mês depois.

 

José Raimundo Marques
Enviado por José Raimundo Marques em 11/05/2015
Código do texto: T5238470
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