Sob a Chibata do Amor
Henrique estava no auge dos seus vinte e oito anos quando nos conhecemos. Não imagino o quanto minha presença o afetou, exceto talvez, pelo desejo com que descaradamente me fitava.
Quanto a mim, ainda jovem e talvez romântica, embora jamais tivesse, até aquele momento me dado conta desse aspecto em mim, fui literalmente fulminada por um sentimento que à época não soube definir.
Só com o passar dos dias pude confessar a mim mesma:
_ Eu, Cristina Aguiar, 26 anos, profissional de carreira respeitável na área técnica de uma grande empresa e comandando uma equipe de vários homens, estava irremediavelmente e perdidamente apaixonada por um homem que mal conhecera e do qual soubera apenas o primeiro nome.
Henrique era fazendeiro numa cidade vizinha e havia começado a frequentar os mesmos pontos que eu e meus amigos frequentávamos. Ele estava noivo há anos de uma moça da sociedade, sendo considerada um excelente partido, dada às posses de sua família.
Começamos a nos relacionar no dia seguinte ao que nos conhecemos. Apaixonada, aceitava quaisquer condições impostas, desde que pudéssemos passar algumas horas juntos.
Mesmo assim, tinha noção de quão humilhante era para mim essa situação, servindo como brinquedo a um homem enfadado pelas obrigações sociais de um noivado e de uma noiva tão prendada.
Assim passaram-se meses e anos, sempre à espera até tarde da noite, que ele deixasse a noiva pontualmente em casa e viesse me encontrar.
Um dia percebi que Henrique, já me considerando uma propriedade sua, sentia ciúmes quando outro homem se aproximava de mim.
Tentando uma cartada, sonhando dar-lhe um choque para que percebesse que era a mim que amava, arrumei um namorado, Caio, jogador de futebol de ótima estampa e passei a desfilar diante de Henrique com sua noiva. Caio era extremamente gentil e atento às minhas vontades, mal imaginando que meus sentimentos e pensamentos mal prestavam atenção ao que ele me dizia, perscrutando os arredores em busca de Henrique.
Henrique ao nos ver juntos, agia como um animal enjaulado, andando em círculos, falando alto, gritando com o garçon. Até que me enviou um recado através de uma amiga em comum:
_ Avisa a Cristina para largar aquele cara agora mesmo ou vai ter briga e briga bem feia, posso garantir... Se os vir juntos novamente, jogo o caminhão sobre os dois. Deixa avisado...
Me sentindo exultante por finalmente Henrique estar assumindo que gostava de mim, me separei de Caio e não fui mais atrás de Henrique, esperando que ele me procurasse para conversarmos sobre nosso relacionamento. O tempo passou e Henrique não veio, me levando a cair na realidade com mais dor ainda por ser tão tola e mesmo assim, continuar amando alguém tão egoísta.
Resolvida a retomar o controle de minha vida, decidi dar atenção a Ricardo, que conhecera através de amigos meses antes e desde então passara a me cortejar. Aceitei seu pedido de namoro e ele muito corretamente, logo providenciou para que conhecêssemos nossas famílias com o intuito de noivar o mais breve possível. Sendo treze anos mais velho do que eu, sonhava em casar logo e ter filhos.
Ricardo foi meu porto seguro, com sua serenidade e e ações sempre bem planejadas e corretas, deu-me o tempo que eu precisava para me refazer em parte, das dores do passado.
Por ter trabalhado desde a infância numa fazenda distante da cidade, Ricardo tinha poucos estudos, apesar de grande tino para negócios, e se orgulhava de mim, sempre elogiando minha capacidade profissional e minha inteligência, o que ajudava a recompor meu ego estraçalhado.
Evitei de todas as maneiras possíveis um reencontro com Henrique, fugindo dele como o diabo foge da cruz, porém, sem sombra de dúvidas, meu pobre e tolo coração, ainda pertencia a ele...
Mas, como se diz, nem tudo são flores...
Descobri bem tardiamente que estava grávida e por ironia de um destino cruel, de Caio, o jogador que passou como um relâmpago pela minha vida. Como amaldiçoei a sorte e Caio, como se ele tivesse me engravidado de propósito. Na época eu não queria ceder, não me sentia em condições para um contato íntimo com alguém que não amava, além do receio de que o pior acontecesse. Mas Caio me convenceu, jurando ser cuidadoso... E o pior aconteceu; grávida!
Chorei, gritei, me descabelei de desespero, porém, também ri sarcasticamente, o que me salvou da loucura total:
_ Como pode um jogador que vive no banco de reserva, acertar de primeira, justo essa jogada?! Haja "sorte"....
Desejei tanto ter um filho de Henrique! Não precisaria de mais nada, nem de namoro oficial, nem de casamento, nada; bastava-me o tesouro de um filho do homem amado e eu sumiria das vistas de Henrique para sempre...
Quê fazer? De forma alguma eu pretendia envolver Caio novamente em minha vida, e depois de muito chorar e pensar loucuras, decidi falar da gravidez para Ricardo, crendo que seria o fim do nosso relacionamento.
Ricardo ficou tão triste, que sua dor me cortou ainda mais o coração, mas, surpreendentemente, não desistiu de mim e agilizou nosso casamento, assumindo o meu filho por nascer; agora, Vítor, o nosso filho.
Amei Ricardo com esse amor grato e sereno, como deveriam ser todos os amores.
Pelas artimanhas do destino, nosso filhinho se parece tanto com Ricardo que às vezes até nos esquecemos que Vítor é filho de outro homem.
Pai e filho vivem grudados, como se tivessem medo de se perder um do outro, sempre juntos, brincando, dormindo, e jogando futebol.
_ Te amo muito meu principezinho!
_ Também te amo, mamãe!
_ Vitinho, se você for escolher, você escolhe a mamãe ou o papai?
Ele arregala os olhinhos e agarrando-se ao pescoço do pai, esconde o rostinho, sem responder.
Essa é minha maior alegria; saber que ambos se amam tanto, e estão seguros e em paz.
Ainda me resta uma questão a resolver, que, tanto quanto possível e, egoisticamente, vou protelar. Apesar de nossa rápida relação, eu sabia que Caio desejava ter filhos e esconder-lhe o fato de que já é pai, me pesa na consciência a ponto de me tirar o sono.
Porém, ainda é cedo para acrecentá-lo às nossas vidas. Estamos ainda nos estruturando tanto emocionalmente como também fortalencendo nossos laços familiares, então vou esperar mais um pouco. Que Deus me perdoe...
Quanto a Henrique, nunca mais o vi e ainda sinto pavor só de imaginar um encontro com ele. Não me sinto nem um pouco segura quanto à minha reação, ou melhor, sei que perderei a firmeza nas pernas, que meus lábios tremerão e que provavelmente meus olhos se encherão de lágrimas; correndo o risco de novamente, como um autômato, voltar a ser o brinquedo preferido dele.
Alguns amores são cruéis na dor, no ardor, no temor e na total falta de esperanças.
Amores que ao contrário de bençãos, parecem castigos impostos por algum deus vingativo, como punição por um crime que sequer imaginamos ter cometido.