Sobre encontrar a agulha no palheiro
Ele tem os olhos como de Capitu e isso não me acovarda. Seu olhar quase nunca encontra o meu, mas quando acontece, percebo que tudo está em seu devido lugar e os problemas desaparecem por alguns inauditos instantes. Por que eu falei dos olhos primeiro? Pelo ridículo motivo da sua mágica vir dos próprios, tornando-me vulnerável em segundos.
Algumas vezes enquanto ele dorme, eu observo seu rosto. Sereno. É o melhor momento para o examinar, já que desse modo a magia não pode ser aplicada. Por conseguinte, consigo agradecer à qualquer Ser Superior que o tenha feito respirar e inspirar tão calmamente enquanto meu organismo nunca está em homeostase perto dele.
Foram incontáveis as vezes em que fui acudida por ele e mal tive a bravura ou a audácia de o agradecer, tendo como exemplo ter sido salva de me apaixonar por um cara qualquer que hoje toma sete porres por semana para esquecer a esposa inconveniente, mas que antes adulterava contra a mesma. E só isso já me bastaria, mas ele fez muito mais.
Há mais de dez anos, no dia do meu aniversário, fiz um pedido aos céus para que me fosse trazido alguém incomum, digo, um cara no qual os conselhos das amigas não se aplicariam e o ciúme de meus pais não atingisse.
Eu só havia o beijado uma vez e logo vieram palpitar "Hoje você sabe que ele vai àquela festa, né?" Ele não foi. Ao contrário disso, me ligou e convidou-me para ver filmes até amanhecer. "Ele nunca vai te levar a sério". Estavam cegamente enganados. Um pouco depois, ele me levou para conhecer seus pais e logo o restante da família. Mais que isso, na verdade, conheci o coração dele, os medos, sonhos e tive o prazer de o apresentar minha alma por completo sem medo de que ele a ferisse - e foi nesse momento que eu soube que era para ser ele.
É maravilhoso ter alguém pra chamar de casa.
Como assim de "casa"?
É porque estar no Japão, na Austrália ou no Canadá não muda a certeza da espera dele por mim e assim posso sentir a paz de uma criança em seu repouso, que nem sequer experimentou da perversidade desse mundo. Faço do abraço dele meu refúgio e ao recostar minha cabeça em seu peito o mundo pede silêncio; ficamos só nos dois - e isso é o suficiente.
Ele tem um jeito teimoso que sempre tromba o meu e um sorriso de estremecer o chão, mas não sabe disso. Também não acredita no quão lindo é, nem no quão sortuda sou por tê-lo presente em mim e talvez seja isso que o torne tão humilde. Ele é um dos poucos que ajuda a mudar o sofá de lugar e ainda lava a louça depois de ter feito o almoço - não sempre, mas quando precisa, faz com todo o carinho que há dentro dele. Ele é aquela agulha no palheiro que tanta gente em tanto lugar do mundo procura e que eu pensei jamais conseguir encontrar.
Dedico esse texto à todos os maridos, namorados ou amigos-coloridos de mulheres que já se decepcionaram e prometeram não se entregar a mais ninguém, até que um último esbarrão mudou o ponto de vista de ambos os lados em relação ao amor.