Navio Fantasma
- Cara, desculpa. Tô te alugando com meus problemas. Vou ficar quieto. - Ele disse com um breve sorriso.
Ele olhava pras suas mãos brincando com o lápis sobre a mesa e não fazia a menor ideia de como eu gostava de ouvir sobre ele, ou de como eu gostava daquele jeito Síndrome-de-Peter-Pan, ou da sua risada sonora que passava algo tão bom que não sei explicar bem, ou daquele sorriso que acabou de dar e que é o curta metragem mais assistido na minha memória nos últimos dias.
- Achei que tivéssemos combinado de nos conhecermos melhor.
- Sim, mas...
- Sem divagações. Parte de conhecer você é ser alugada pra ouvir seus problemas.
- Mas sei lá, tenho umas inseguranças meio piradas...
- Todos temos.
-...e isso faz eu ter muitas travas pra me abrir com as pessoas. Já me dei muito mal com isso. - Um suspiro. - É foda ter esses calos da vida.
É foda ter esses calos da vida. Sei disso também porque eram eles que me causavam incômodo ao calçar um sapato novo, como quando eu o conheci, como quando eu conheci o rapaz antes dele, como quando eu conheci o rapaz antes do rapaz antes dele, como quando eu conheci o rapaz do último relacionamento que eu tive ou como quando eu retomei a amizade com alguém que usou meus medos contra mim.
- Todos temos alguns navios fantasmas naufragados no fundo do nosso mar.
Ele sorriu ao me ouvir dizer isso. Um sorriso como o que eu costumava dar, meio incrédulo.
- É assustador em algumas partes. Você não precisa conhecer os navios fantasmas naufragados aqui.
- Mas essa é a parte mais divertida.
- Acho que já tivemos essa conversa... - Agora o sorriso estampado em seu rosto ao dizer isso emanava um brilho maior.
- Mas com os papéis trocados. - Correspondi o sorriso.
Olhei pra folha na qual eu desenhava e, enquanto apagava uma linha errada, prossegui.
- Sabia que geralmente tem um tesouro escondido em navios fantasmas naufragados? Os fantasmas servem pra assustar os mergulhadores que não são corajosos.
Ele levantou o olhar, parou o lápis sobre a mesa e me encarou por alguns instantes. Notando o silêncio repentino, tirei meus olhos da folha de papel e encontrei os dele. Seus olhos eram um desafio silencioso e seu sorriso era de alguém satisfeito porque já imaginava a resposta pra pergunta que faria a seguir.
- E você é corajosa?
Foi involuntário um sorriso ser estampado em meu rosto.
- Sou.