Anos Depois
Viu-o perder-se na poeira da estrada. A Diamond tinha arrancado com ele a acenar e a dizer que regressaria logo. Mas não voltou antes do Natal como prometera, nem antes da Páscoa, nem pelo seu aniversário, nem pela morte do pai. Também nunca escreveu. Naquele tempo as notícias demoravam a chegar e os telefones ainda tardariam uma década a entrar na vida das pessoas. Tragara-o a América e a distância como anos antes a poeira da estrada por pavimentar. Chorou muito antes de endurecer. Um dia, por mero acaso, numa página de jornal velho, datado de Julho de 1950, em que se descrevia a abdicação de Leopoldo III a favor do príncipe Balduíno e ao lado da notícia que reportava a travessia do Rio Naktong pelos norte coreanos, aparecia ele integrado como monitor na equipa do Uruguai, vencedora do Campeonato do Mundo. Reconhecera-o mesmo não estando o seu nome em lado algum da notícia. E voltou tudo ao princípio. Lágrimas, palpitações, suores frios. A seguir, ignorando conselhos e impondo-se aos pais, comprou a passagem de paquete e embarcou com destino ao Uruguai. Ele teria de dizer-lhe por que a rejeitara, por que nunca respondeu às suas cartas, por que desistiu de voltar a casa. Quando, finalmente, se viram ele já não era o seu João. Falou um português com acento castelhano, pediu perdão e chorou. Ainda se abraçaram mas o romance acabava ali. Arminda ajeitou o chapéu, calçou as luvas e entrou no táxi. O seu coração petrificado impediu que as lágrimas lhe corressem. A voz jovem de uma locutora anunciava a morte, aos 94 anos, de George Bernard Shaw. Era dia de finados e chovia.