O voo da borboleta
Fazia um calor angustiante, uma quentura que apressava todo o processo, e por isso, a colher velha de madeira escura mexia uma mistura de uma lata de leite condensado, três colheres de sopa de chocolate em pó e uma de manteiga, em um movimento ritmado ao som de uma espécie de bolero com uma voz masculina rasgada, insegura, sofrida de amor, que cantava sob os desejos de Iansã, “pra você restou a vida que escolheu/ mas pra mim só a voz que Deus me deu para cantar/ que o desejo é uma rua sem saída”. Ele cantava baixo “o desejo é uma rua sem saída”, tentando imitar o cantor, e continuava mexendo. Aquilo que logo seria um brigadeiro era preparado em fogo alto, esquentando principalmente a mão, que segurava a colher, e também todo o corpo, que se desmanchava em suor por conta também do clima abafado. “Vai chover”, pensou. Depois passou a manga da camisa na testa limpando boa parte daquele líquido salgado que brotava da sua pele e escorria coreograficamente por cada linha sinuosa do seu corpo. Sabia que era salgada, porque algumas dessas gotas chegavam lentamente até o seu lábio superior e a sua língua cumpria involuntariamente o papel de enxugá-lo. A mistura homogênea estava quase pronta, “só precisa ficar um pouco mais durinha”, falou quase sussurrando para si.
A cozinha estava cada vez mais escura. Olhou para a janela na parede paralela, que o fogão estava encostado, e viu as nuvens escurecidas, densas e tão baixas que dava a impressão de que podia tocá-las. Agora, mexia mais devagar e com mais força, pois estava ficando mais grossa e precisava evitar que o brigadeiro grudasse e queimasse na panela. O cheiro já era reconhecível, se tivesse com quem falar, diria que era cheiro de tarde nublada, como aquela, de encontro com os amigos, de desabafos sinceros, de segredos escarrados sem vergonha, de solidão compartilhada a dois ou a três. Era um cheiro bom, do-ce (se falado bem ao pé do ouvido e sussurrando, seria tão doce quanto o cheiro daquele brigadeiro quente) e que servia para mascarar a tristeza, como quem veste uma capa para não se molhar ao sair em dia de chuva.
Encheu a colher com o brigadeiro quente e levou a altura do peito, depois a virou para baixo, forçou um pouco, mas nada caiu da colher. “Pronto”, tinha ficado agradavelmente consistente. Desligou o fogo e foi em direção à sala segurando pelo cabo da panela quente com uma mão, a colocou na grade da janela da sala e sacudiu um pouco a blusa na frente como se se abanasse. Tirou a blusa e a jogou no braço cinza do sofá novo. A parte de trás da blusa estava parcialmente molhada de suor. Imediatamente, o peito nu abrigou os primeiros ventos frios daquele início de chuva e assim, sentiu o corpo lentamente diminuir o ritmo e se acalmar. Escorou-se com os cotovelos nas grades da janela como a escultura de namoradeira negra que possuía olhar baixo igual ao seu e um vestido vermelho estampado com pequenas flores amarelas. Mexia tranquilamente o brigadeiro na tentativa de esfriá-lo mais rápido, foi quando sentiu a última gota de suor descendo no meio das suas costas, como quando o carro da montanha – russa desce ao chegar ao topo. Agora, seu corpo estava externamente frio e grudento, mas o seu interior ainda era quente, seco e faltava alguma coisa. Talvez uma sutura, ou que desamarrassem uma linha fina, que apertava a cada dia seu coração depois que “ele se fora” partiu.
“Ele se fora, ele se fora, ele se fora...pra onde?” Não era necessário saber, talvez fosse melhor assim, não saber e, consequentemente, não sentir, poupando seu coração selvagem e vulcânico de ser cada vez mais sufocado por essa linha tão fina que começava a cortar. Coração selvagem e vulcânico era assim: alimentado por ilusão e expectativas; bebia confiança, segurança e elogios; deitava em cama de mar: salgada, calma, às vezes um pouco turbulenta. O tal coração vivia numa floresta quente e estava aprendendo a ser cauteloso, como quem coloca a ponta do dedo de um pé na água da piscina, para saber se ela está cheia, e se estiver, saber se a água está quente ou fria. Já se machucara bastante ao pular de cabeça nas piscinas vazias. Agora, mantinha sempre um pé atrás em terra firme, para o caso de se desequilibrar.
A música que estava tocando na cozinha já era outra, mas não o interessava muito. A voz esforçada de Ivan Lins cantava com convicção expressões como “rebelado”, “começar de novo”, “valer a pena” e “ter te esquecido”. Se tivesse prestado mais atenção e absorvido toda a composição da música, teria percebido que se encaixava no que estava passando. Mas a sua atmosfera estava tão envolvida pelo cheiro doce do brigadeiro que todas essas expressões, a priori, não se encaixavam com o pensamento compulsivo, repetitivo e mentalmente desgastante de “ele se fora, ele se fora, ele se fora... pra onde?”.
“Ele se fora” partiu há pouco tempo e sem deixar rastro, ou o mar tinha apagado suas marcas na areia? Quem dera. Sofreria menos se fosse assim. Mas não, a sua memória perfeita de elefante jovem e saudável começava a vasculhar no âmago da sua memória, as lembranças mais ternas e belas, que fazia ele sorrir por dentro. Como da vez que estavam abraçados na beira da praia vendo o por do sol e de repente, uma menina negra, com uma flor lilás no cabelo e um vestido amarelo vibrante, depois de muito observar aqueles dois seres masculinos abraçados, chegou bem no seu ouvido e disse, “Vocês formam um belo casal. Não se separem nunca“. A surpresa foi grande no momento, pois não esperavam que um ser tão pequeno e belo fosse ter tanta sabedoria e nenhum preconceito. “Queria ter uma filha assim”, falou “ele se fora”... Que desobediência a dele. Como pôde ir contra a vontade da pequena deusa de vestido de sol? Como doía a ausência “dele que se fora”; como era triste ser tratado com tanta indiferença e egoísmo por alguém que pensou em casar, ter filhos e construir uma família que nunca teve: família de comercial de margarina (a mesma que usou para fazer o brigadeiro), só que um pouco mais moderna. “Os dois pais no banco da frente do carro prata e no banco de trás, a filhinha ao lado do cachorro de pelos dourados”, era assim que imaginava e sorria no final. “Ele se fora” o deixou com o coração amarrado, sufocado com essa linha que começava a estrangular. E era “ele se fora” que levava consigo o fio que a cada novo quilometro de distância, apertava ainda mais o coração vulcânico selvagem.
Tocou com o dedo indicador na superfície grossa do brigadeiro e sentiu que ele estava frio. Pegou um pouco com a colher e levou até à boca, brincando de “aviãozinho”, pois mesmo em momentos tristes e de profunda inconsciência, ainda era possível sentir, externamente, a alegria passar pela sua calçada de paralelepípedos e fazê-lo feliz efemeramente. Mastigava devagar e às vezes mordia com cuidado algumas bolinhas, que tinham se formado e que era divertido sentir aquela explosão crocante se desmanchando e fazendo cócegas na língua. Limpou com o dorso da mão, o canto da boca sujo de chocolate e nesse momento, viu aquele ser, que batia freneticamente suas asas, mas parecia não demonstrar o tamanho escorço que era voar naquele ar denso com ventos fortes e frios, vir em sua direção.
Era uma borboleta que batia freneticamente suas asas para não cair, como se fosse contra os seus preceitos, contra a sua falsa essência selvagem. Então, demonstrava voar delicadamente e se esforçava para que todo aquele planar parecesse belo e elegante.
Pequena, viva, elegante demais, de cores suaves, com antenas simetricamente curvadas e com asas tão finas, que se tocássemos quase não a sentiríamos. Ela chegou e pousou delicadamente na grade preta da janela. Ele a filmou. Pelos os olhos dele, era um filme daqueles bem experimentais, em que o começo, o meio e o fim não estão bem definidos. Mas o que importava era o foco com zoom nas patas pretas dela tocando lentamente as grades da janela também pretas. E tudo ao redor era embaçado, sem som e sem importância. Ela pousou e ficou. Ele arqueou as sobrancelhas e parou a mastigação do brigadeiro, mas sem engolir, pousando da mesma forma que ela, os seus olhos arregalados, assustados, tristes e adornados por médios cílios sobre aquele ser verdadeiro e naturalmente selvagem. Eles ficaram ali, se notando e ele pensou “Então você existe mesmo. Me belisca para eu saber que não é sonho”. E não era.
Tudo era real, friamente real. “Ele se fora” partiu, ela chegou e ele ficou. Tudo se completava, mesmo contrariando a sua vontade. Por alguns instantes, ele esqueceu a fuga do outro, ao admirar a beleza selvagem e se iludiu, imaginando a felicidade batendo na sua porta, igual ao imã da tirinha da Mafalda preso na sua geladeira. Voltou a mastigar o brigadeiro e continuou olhando-a para ter certeza de que se fosse à cozinha, ela não fugiria como “ele se fora”, sem dizer adeus ou sem dar explicações.
Deixou a panela de brigadeiro na grade da janela e foi à cozinha com um sutil sorriso de canto de boca e abriu a geladeira. Sentiu o ar gelado esfriar ainda mais sua pele, vendo os pelos do braço de eriçarem. Olhou atentamente procurando a sua garrafa d’água, achou, pegou e bebeu rapidamente um pouco de água, necessária para matar a sede e tirar o gosto doce da boca. Voltou com os olhos arregalados e atenciosos procurando a borboleta. Nesse momento, lembrou que tinha lido uma frase que supostamente era da Clarice Lispector, mas enfim, dizia assim: “borboleta é pétala que voa”. Era verdade. Aquela natureza selvagem voava feito pétalas de rosa jogadas ao vento.
A borboleta permanecia ali, imóvel. Ele voltou a sentir-se, inquieto, com a cabeça pesando e o corpo ainda mais frio. Tinha medo de se acostumar com ela da mesma forma como se acostumou com “ele se fora” e depois ela partir, ele sofrer e chorar, e chorar, e chorar. Mas aos poucos, o tempo foi passando e o brigadeiro foi acabando e a borboleta, inevitavelmente, tirou dele os espinhos, as cascas, as fechaduras e as faltas. “Falta de quê?”, sentiu. Falta tipo saudade, só que mais dolorida. Falta do que ainda nem tinha vivido, conhecido ou experimentado. Falta “dele que se fora”, talvez? “Com certeza”, pensou. Era essa ausência que mais o incomodava e o fazia se sentir impotente, amargo e com o pensamento de incapacidade de construir e manter uma relação duradoura, pois suas relações sempre pareciam fortes no começo, feito tronco de baobá. Mas depois dos três meses de relação, seu espírito se sentia incomodado e parecia que o outro percebia essa mudança e então, no quarto mês de namoro, eles terminavam. Quando conheceu “ele se fora”, sentiu que ia ser diferente. As declarações deles eram ardentes, o amor deles dava falta de ar em quem se propusesse a assistir, era uma verdadeira obra de arte contemporânea, mas não foi o bastante. Chegaram a fazer os quatro meses, mas logo depois, feito aliança de papel jogada ao mar violento, eles se desfizeram. “Ele se fora, ele se fora, ele se fora... pra onde?”
Voltou a notar a borboleta, ela continuava parada. “Como pode, senhor?”, falou com uma voz séria e incomodada. Por obra do destino, ou por coincidência mesmo, ouviu lá da cozinha Caetano cantando “Tu me Acostumbraste”, “Por eso me pergunto al ver que me olvidaste/ Por que no me enseñaste cómo se vive sin ti”. Lembrou que tinha escrito a letra dessa música no seu diário, depois que “ele se fora” passou a tarde com ele. Sentados no tapete vermelho de crochê no meio do quarto e tomando vinho barato e bem gelado, ouviram essa música repetidas vezes e “ele se fora” o ensinou que “É eseNHaste, e não enseNAste”, e ria um sorriso safado no final, que ficou gravado na memória. A letra o fizera também pensar, olhando seriamente para a borboleta, “você não vai me abandonar, vai?”. Fez silêncio, esperando que ela dissesse alguma coisa. Mas ela continuou parada, sem dizer nada. Nesse momento, sentiu algumas lágrimas, ou “água de dor”, como ele costumava falar, saírem de seus olhos. Era triste aquela situação, pois não tinha ninguém para acalentar seu coração, nem mais aquela borboleta, que no começo o distraiu e evitou que seu coração se estrangulasse mais rápido.
Era inevitável, seu coração entrava em erupção junto às águas de dor, que jorravam dos seus olhos. E como se estivesse sido dirigido, começava a cair as primeiras gostas de chuva daquela tarde nublada. Pensou se onde “ele se fora” estava, chovia também por conta própria, ou se o clima dependia da dor que eles sentiam. Imaginou “ele se fora” andando calmamente pela beira da praia na companhia de outro, talvez, com os braços abertos ao sol radiante e ao vento sereno, sentindo a espuma do mar molhando seus pés. Diferente de onde estava, que a chuva só aumentava, dando a impressão de que o céu desabaria sobre sua cabeça. Olhou para a panela e para sua surpresa, não tinha mais brigadeiro. Colocou, mesmo assim, a colher na boca e raspou com os dentes aquilo que estava grudado. No final, jogou, inconscientemente, a colher babada dentro da panela, como se o barulho seco causado pelo choque dos utensílios fosse espantar a borboleta. Mas nem isso era motivo para que ela se movimentasse, ou apenas voasse para o outro lado da grade. Isso começava a incomodá-lo bastante, pois ele estava num caos e ela tranquila, calma, parecendo não pertencer àquele lugar.
Decidiu tocá-la para ver se acontecia alguma coisa, e mais uma vez, como num filme experimental: tudo em volta ficou embaçado, sem som e importância e um foco claro com zoom no dedo indicador dele que se aproximava bem devagar, com medo de que ela voasse naquele tempo impróprio para seres tão frágeis, e depois ele se sentisse culpado por tê-la incomodado. Pois bem, o seu dedo já sentia aquela coisa fina, fininha que era a asa da borboleta. Ela não demonstrou nenhuma repulsa ao toque dele. Então, ele foi mais além, juntou as duas asas dela com o polegar e o indicador da mão direita, as segurou delicadamente e trouxe de encontro a sua face. Agora, mais que antes, chovia desesperadamente. Ele a encarou, forçando os olhos como se fosse conseguir enxergá-la mais de perto ou consegui entender o sentido da vida daquele ser pequeno, mas não via nada mais além que aquela cabeça minúscula com antenas simetricamente curvadas. Ela, literalmente nas mãos dele, movia apenas as patas, como se buscasse uma superfície para se estabilizar.
Ao redor, tudo girava velozmente com eles parados no centro. A borboleta já não mexia mais as patas e ele continuava mentalmente inquieto. O seu rosto exibia certa raiva, certa agonia com aquele ser tão misteriosamente deslocado do caos que era sua vida. E era como se os mesmos sentimentos que ele possuía por “ele se fora” estivessem depositados na borboleta. E estavam, ou talvez sempre estiveram. Constatou racionalmente que ela, na verdade, era “ele se fora” e sentiu nojo, ainda mais frio e medo. Medo do que poderia fazer com ela, que agora era “ele se fora” e com o próprio corpo. Mas tinha de acabar com aquilo, tinha de tomar uma decisão, antes que perdesse a força por causa da tontura de ver tudo aquilo rodando, rodando, rodando...e caísse pesado no chão. Eram mais lágrimas ou foram as gostas da chuva que entraram pela grande janela da sala e molharam seu rosto? Não importava, era água do mesmo jeito. Era água que também o sufocava, além daquela linha que “ele se fora” amarrou em seu coração antes de ir embora. Mas agora, com a borboleta ou “ele se fora” nas mãos, a linha fina tinha se afrouxado.
“Ele se fora” era impiedoso mesmo estando no corpo belo daquele inseto. “Você está brincando com meu coração”, falou com raiva contida e trincando os dentes. O coração dele poderia até perdoá-lo por ter afrouxado a linha, mas ele não poderia perder a oportunidade de se vingar. Era um ser humano como qualquer outro, era um pecador como qualquer outro, era infantil como qualquer adulto, e por isso, não se importava de fazer com que ela sentisse o que estava sentindo também. Sentir a água sufocando-a era a forma de privá-lo de sentir uma espécie de pena dele mesmo. E foi o que fez, se aproximou da janela e esticou o braço para fora da grade e aos poucos a borboleta era fortemente atingida pelas gotas da chuva. Mas engraçado, ele não parava de chorar com aquela cena tão triste, “Como tudo foi chegar nesse ponto?”, pensou. E lá da cozinha, vinha uma melodia triste, melancólica e solitária com uma voz embargada e saudosa que cantava, “meu coração vai se entregar a tempestade”. Lembrou das inúmeras vezes que chorou ouvindo essa música. Mas dessa vez era diferente, ele não estava mais inundando o seu travesseiro por causa da indiferença dele. Agora, o choro era libertador, sabendo que após aquilo, tudo iria se resolver e ele passaria a alimentar a esperança de um novo amor, de novas felicidades, de um eu mais forte e experiente. Esse pensamento acalentou a seu peito quente.
Lá fora na chuva, a borboleta completamente molhada mexia inquietamente as patas, como se pedisse socorro ou sentisse a agonia do afogamento. E ele começa a surgir, dentro daquele peito quente e cheio de mistério e sentimentos, algo novo aflorar: era a indiferença. Recordou do dia em que ouviu falar desse sentimento, foi em uma aula de Teoria da Literatura, sua professora falou que era isso o contrário do amor. Que o ódio é só o amor pelo avesso. A indiferença cortava os laços existentes entre os que se amavam e os tornavam livres de qualquer culpa, rancor e ciúme. Então, decidiu sem muito pensar, em se libertar “dele que se fora”, cortando os laços.
A mão molhada abriu voluntariamente, assim como sua língua limpava as gotas de suor que chegavam à sua boca: rápida. E a borboleta se foi, como um corpo suicida que se joga do último andar do prédio e vai em direção, subjetivamente, ao nada. E ele encostou a cabeça na grade preta e molhada da janela, acompanhando o voo da borboleta molhada metaforicamente pelas “águas de dor”. Ela caia sem nenhuma reação, “deve estar morta”, deduziu. Aquele voo dela era perturbador, para quem visse de longe como tudo aconteceu. As asas grudadas se chocaram contra a pequena correnteza que se formou por entre os paralelepípedos, quando a chuva começou. A pétala machucada, afogada e escura acompanhava as ondulações e ia sem vida ao encontro do vazio que era o fim. De longe, ele perdia de vista “ele se fora” em forma de borboleta, e para sua surpresa, com a última gota de lágrima, que saía solitária do seu olho vesgo, surgiu lá no horizonte escuro do céu, o primeiro raio de sol, “Era o recomeço”, falou fechando os olhos e apertando o peito, que guardava um coração também livre das amarras e que aos poucos ia se cicatrizando das feridas caudadas por aquele relacionamento.
Indiferente, esperançoso e livre, era assim que seu corpo começava a aparentar, e agora, o foco do filme experimental dava zoom bem na sua orelha (dava até para ver aqueles pelinhos branquinhos e mais fininhos que fios de cabelos brancos), que ouvia os últimos trechos da música de melodia triste, melancólica e solitária, “Não há porque chorar por um amor que já morreu,/ Deixa pra lá, eu vou, adeus / Meu coração já se cansou de falsidade”. Repetiu bem baixinho, fazendo um sorriso de canto de boca, “meu coração já se cansou de falsidade”.
Caio Lemos.