O Presente

Tudo começou no dia em que um grande pacote chegou aqui em casa. Não era algo tão desejado por uma criança de oito anos, mas eu gostei. Para falar a verdade, não lembro de ter pedido isso para o papai noel, ou até mesmo mostrado interesse por aquilo. Foi como se fosse aquela tal paixão de adolescente.

Abri. Aquela cor preta brilhava, e meus olhos também. Imaginava fazer coisas incríveis com aquelas cordas, só não sabia como.

Não era muito habilidosa com aquilo, e não tinha tanta coordenação motora. Achava lindo, e me sentia feliz em vê-lo ali perto de mim. Era como em um relacionamento; no começo não o conhecia, e muito menos sabia o que seria capaz de fazermos juntos, mas aos poucos nos tornamos íntimos. Tão íntimos a ponto de não deixar ninguém tocar "nele".

Foi difícil, e vontade de desistir não faltou. Mas isso não importava. Era meu, e eu amava.

Meu pai tinha um, mas só minha mãe podia tocar. Ele dizia que não era brinquedo.

Não aceitava isso. Mas agora entendo.

Ao passar dos anos, eu já estava de saco cheio com aquela geringonça. As tarraxas enferrujaram, o braço já estava todo empenado, e era impossível fazer uma pestana ali. Sinceramente, já não sentia vontade alguma de vê-lo.

Deixei-o encostado entre o guarda-roupa e a parede por um bom tempo. Pensei que nunca mais teria contato com ele, mas como em um bom relacionamento, o amor sempre fala mais alto.

Confesso que não era tão apaixonada assim, mas decidi o conhecer melhor antes de tomar alguma decisão mais séria para minha vida.

A cada corda que afinava, a cada acorde que montava, a cada bolha criada no meu polegar direito, a cada som que saia daquele violão cheio de adesivos, eu me apaixonava por esse tal mundo da música.

Sentia orgulho de mim mesma, toda vez que chegava naquela escola. Andava pelo corredor, e ao passar em frente de cada sala, ficava encantada com tudo aquilo. Tinha que atravessar duas cidades para chegar até lá, mas só de ouvir o som de um saxofone, valia a pena todas aquelas horas dentro de um ônibus lotado.

Chega até ser meio tosco uma adolescente de 16 anos gostar de música clássica e chorar toda vez que assiste a um concerto musical.

Talvez minha mãe teria mais orgulho em ter uma filha formada em medicina, mas aconteceu, por acaso. Aliás, foi o melhor acaso que poderia me acontecer.

Quanto ao presente que ganhei aos oito anos, continua aqui no meu quarto, não consegui me desfazer dele. Afinal, foi o primeiro, e o primeiro a gente nunca esquece.

Fabiany Lindes
Enviado por Fabiany Lindes em 27/03/2015
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