O Requiém Da Rosa

A inocência preenche meu olhar. Talvez não tanta inocência quanto fiz parecer; Mas a pura felicidade de estar em paz. As roupas que tenho, acabei de comprar, foi uma longa trajetória até conseguir meu "título de homem". As mãos arranhadas e pés suados eram deixados para trás. Um terno e gravata é o que visto agora, sou dono do próprio nariz, me orgulho. O dia é cansativo, mas a noite, posso pegar minha melhor roupa, minha melhor cartola, fumar os meus melhores cigarros, sem me esquecer de usar a fragrância mais inesquecível. Tudo para prender os olhos de uma dama. Tudo para prender os seus olhos. Uma vez que me deixe tocar sua mão... Uma vez que nossos dedos se toquem proibidamente enquanto lhe entrego uma rosa colhida por mim. Estarei próximo o bastante para que sinta o meu cheiro... E em sua emaranhada memória se criará a lembrança de um dia fitar meus olhos. Serás minha para sempre, minha amada, serei seu pela eternidade. Talvez evitarei alguns amigos bêbados... Festas onde relacionamentos banais se constroem e desmoronam sem tardar ... Sigo imune, minha amada. Imagino que a rosa que lhe dei já secara a este ponto, mas permaneço com a fé no truque do perfume. Não esqueceu-se... Esqueceu? Da cor indiferente dos meus olhos que te olharam de uma forma única. Você pode negar em voz alta, mas sabe que o seu coração é meu. E mesmo que se apaixone outra vez, somente seu corpo irá, sua alma carrego na mão esquerda, seu amor na direita. Finalmente aceito que os ventos da mudança me alcançaram. Depois de tanto resistir à tentação, desvendei-me os olhos e libertei-me do bom senso... Agarrei uma nova ideia de vida. Mudado dos pés a cabeça, mesmo o mísero dos panos que acolhem o meu corpo são de melhor qualidade agora. Meu relógio reluz mais do que o brilho dos meus olhos, os quais roubastes de mim. Mas sigo a vida, nunca e jamais entregarei flor alguma a outra mulher. Prefiro vê-las se despedaçar em minhas mãos do que entregá-las para indignas. Lembro de te ver, querida, seu sorriso falso era o mais encantador; Posso ver que mesmo as roupas que lhe cobrem as delicadas curvas não condizem com o seu interior. Ao seu lado, nenhum amigo, mas marionetes. Você sorri no momento em que nossos olhares se cruzam. Juro que posso ver uma lágrima, mas eu não irei secá-la. Meu amor, apenas uma pétala é o que ganharás de mim, está sobre a mesa, nela está gravada o número do meu apartamento. Nunca soube se você pegou a pétala ou não, mas um dia precisei me mudar. Há uma mulher que não é você... Fazendo de tudo para tomar o seu lugar. Eu vou amá-la como amei você. Retiro dela todos os seus vestígios... Perfeitamente única. Hoje me casarei com ela, a escolhida para partilhar tudo comigo... No entanto, não lhe dei flores, nem uma rosa. Ela deu a luz aos meus dois filhos... Ainda assim nos dias das mães ela não ganhou nenhuma rosa. Ganhou meus beijos, talvez valha menos... Mas era o que me restava. Aos poucos as nuvens do tempo me alcançaram. Minha vida lentamente se esvai, minha esposa que tanto se esforçara, pereceu por uma doença há alguns anos. Por mais que tenha tentado, nem uma lágrima solitária e gélida percorreu meu rosto seco, mas no fundo não havia como me proteger da dor. Uma jovem me encontra. Seu olhar é estranhamente familiar. Sim... Quando abriu a boca, sua voz alcançava na minha memória um lugar muito especial. A partir daí ela já não precisava dizer nada. Tão parecida com você... Sua forma de prender os cabelos, mesmo a maneira como erguia a taça de vinho aos lábios era bem similar. Ela me contou a história de sua mãe; Uma mulher imensamente bem sucedida, mas igualmente solitária. O marido que lhe fertilizara foi infiel e traiu-a, indignada pôs-se a cuidar de si sozinha... De sua filha. Nas páginas dos seus diários, nos trechos de frases ao dormir residia o meu nome, meu cheiro, aquela flor. Ela encontrou suas pistas, elas levavam à mim, mas embora tivesse um mapa em suas mãos e vida em seu corpo, nunca foi capaz de simplesmente vir até mim. Nunca conheci o seu orgulho de perto, o meu também nunca me permitiu isso. Mas talvez... Só talvez, nessa noite escura e fria, distante de todos os olhos e holofotes, distante de todo riso, todo choro, de toda hipocrisia, orgulho e preconceito... Onde morava a árvore que gerava o fruto do ódio... Lá bem perto, lá perto eu pude sentir como se estivesse próximo a você outra vez. Uma vez apenas, reviver o primeiro dia em que toquei seus dedos... Senti a maciez da sua mão, sorri para você. Antes de te dar seu merecido adeus. Tenho a leve impressão de que odiaria me ver fumando, mas é simplesmente o que sou agora. Em cima da lápide talhada com seu nome, onde abaixo jaz seu corpo adormecido, caem as cinzas... Mas depois de uma longa reflexão, afasto as cinzas do seu nome, acaricio a lápide como se fosse o seu rosto... Deixo que as lágrimas encham meus olhos uma última vez e despeje todo o sentimento que restara. A você, minha amada... Entrego a minha última rosa.