MEU AMOR EU TE PROMETO...

As frutinhas silvestres a beira da estrada estavam tão roxinhas que Sayumi não resistiu. Aprendeu com seu avô a amar a natureza e a usufruir dela sem abusar. As frutinhas, que ela nunca lembrava o nome, eram deliciosas para seu paladar pouco refinado da infância. Agora não lhe pareciam tão agradáveis assim. Lembrava um mingau roxo quase sem doce com sementinhas minúsculas boiando nele. Porque a gente muda tanto? Quando criança, fora capaz de trepar em um barranco e quase se escalpelar, apenas para colher um cachinho dessas frutinhas. Agora, uma somente, fora capaz de fazê-la desistir de chupar as outras.

Aquela estrada vazia de pessoas, fora muito usada no passado. Tinha doze anos quando ao brincar ali, perto do riacho e tentar colher as frutinhas em sua margem, fora ajudada por um menino da sua idade que colheu as frutinhas para ela. Logo se tornaram grandes amigos. Fora ele quem lhe ensinara muitas das coisas que sabia da vida. Seu avô não lhe ensinava muita coisa. Dizia que a imaginação voa, quando se sabe demais, e nos leva a perdição. Sempre respondia que era muito cedo para saber isso ou aquilo.

Felipe, no entanto, lhe ensinou sem pudor tudo o que ele sabia. Subiam numa árvore que tinha na beira do riacho e lá em cima ficavam a conversar. Eles sempre se encontravam ali. Nunca entendera como ele sabia que ela estava ali. Depois de chegar a beira da árvore, Felipe chegava em questão de segundos. Era incrível. Ali era seu reduto na infância.

Um dia, Felipe estava lá quando ela chegou. Achou estranho. Estava em silêncio e continuou assim. Sentou-se a seu lado e perguntou:

_Tudo bem?

_Não. Não está tudo bem. Minha mãe morreu.

_Sinto muito.

_Eu sei. Você é a única pessoa que sente muito de verdade.

_Mas e seu pai?

_Não tenho pai. Meu tio, irmão de minha mãe, não quer ficar comigo.

_Nossa que homem mau! E agora, o que vai acontecer com você?

_Vou ser mandado para um orfanato amanhã. A gente nunca mais vai se ver.

_Vai sim. Eu prometo que assim que eu crescer mais, vou procurar esse tal orfanato e te tiro de lá.

_Existem mais de mil orfanatos por aí. Você nunca vai me achar.

_Vou sim. Eu quero te achar! - E as lágrimas teimaram em rolar pelo rostinho dela.

Ele tinha razão. Nunca mais o encontrou. Tentou de tudo. Pensou nele dos doze até os dezoito anos e sempre que ameaçava esquecê-lo, vinha até aqui e lembrava de tudo. Mas ao completar dezoito anos de idade, foi trabalhar na loja de ferramentas do avô na cidade grande. E começou a procurar efetivamente por ele no primeiro orfanato. Ele não tinha ido para lá. Não havia nenhum Felipe no registro. No segundo orfanato havia mais de dez Felipes. E ela não sabia o sobrenome dele. Voltou a fazenda pra tentar saber dos parentes dele o sobrenome dele mas a surpreza foi muito pior. Eles haviam vendido a fazenda a mais de quatro anos e ela não os encontrou mais. Voltou a cidade e lá começou a procurar por todos os Felipes da lista que lhe deram no orfanato. Aliás não foi fácil conseguir a lista. Precisou derramar muitas lágrimas para que a irmã Consuelo do orfanato lhe desse a lista.

Cada Felipe que conhecia era umas decepção maior. Um era Negro e o seu Felipe não era assim. O outro era mulato, o Outro era alto demais e pelo que sabia o seu amigo Felipe nunca seria alto, pois era baixinho a ponto dela achar que ele mentia quando dizia ter a mesma idade dela.

Depois de visitar oito orfanatos, já com dezenove anos, Sayumi, decidiu parar de procurar por Felipe. Pensou que a esta altura, ele já devia ter saído do orfanato e talves voltasse aquele lugar para reencontrá-la. Todo final de semana ela partia pra fazenda na esperança de reencontrar seu amigo de infância. Mas ele nunca estava lá.

Foi numa sexta feira de Abril de 1990 que ela leu uma notícia no jornal que a chocou. Havia uma foto de um rapaz louro que ela achou muito parecido com Felipe. Mas seu nome não era Felipe. Mas ela gravou na memória o nome do bandido que assaltara a lanchonete da escola. O nome era Valdir. Resolveu visitar o rapaz na prisão.

Quando chegou na cadeia pública, pediu pra visitar o rapaz. O delegado não queria permitir, mas ela disse que era amiga de infância dele e queria lhe dar alguns conselhos. Assim, o delegado, que já andava cansado dele, permitiu a visita. Na sala de visitas, o rapaz sentado na cadeira atrás da mesa parecia mesmo com Felipe. E ela lhe perguntou:

_Seu nome é mesmo Valdir ou você tem outro nome?

_Qual que é? Veio aqui pra me encher?

_Por favor me responda uma coisa: O nome "Felipe" lhe diz alguma coisa?

_Porque? O que você tem com esse Felipe aí?

_Quando você era criança, já se chamou Felipe?

Depois de alguns minutos de silêncio o rapaz falou:

_Sim. Ja me chamei Felipe porque? Esse nome, Valdir, me foi dado por pais adotivos que me registraram quando eu tinha doze anos. Foi logo depois que entrei para o orfanato. Mas depois me devolveram e o nome ficou.

_Lembra de uma garota chamada Sayumi?

_Sayumi é você?

_Lembra ou não lembra?

_Sim eu me lembro. Lembro também que ela prometeu me procurar e não fez isso tá? Fiquei seis anos naquele inferno sendo jogado de um orfanato pra outro. Tentei fugir uma centena de vezes. Voltava sempre pra um orfanato pior. Porque ela não me procurou? Porque ela não me tirou de lá? - Disse isto entre lágrimas.

_Deixa eu te ajudar?

_Vá embora! Sai daqui!

_Eu volto.

Sayumi Deixou Felipe naquela cadeira chorando e saiu chorando também. Dentro dela tinha a certeza de que mataram o seu Felipe. Definitivamente aquele não era o seu Felipe. Era o Valdir ou uma casca do que foi o Felipe um dia.

Mas tomara uma decisão naquele dia: Nem que fosse a última coisa que ela faria nesta via traria de volta o Felipe.

Ainda não sabia o que faria mas naquela mesma noite, assistindo um programa religioso de televisão, ouviu falar algo que mudaria a vida de Felipe pra sempre.

Um homem falava mansamente e dizia ter o dom de curar a alma das pessoas. Discursava sobre a mágoa que as pessoas tem no seu interior. Ele dizia que o ser humano guarda o amor em seu coração e embora grite que ele morreu, não é verdade. Havia um programa de libertação que acontecia todas as quintas feiras e Sayumi resolveu que iria levar Felipe até lá.

Sayumi era uma pessoa muito persuasiva. Usou de sua persuasão para convencer o delegado que ele precisava levar o Felipe até lá. Felipe, Valdir na verdade para o delegado, já fora preso umas vinte vezes por contravenções diversas e o delegado queria se ver livre dele. Queria que pelo menos dessa vez quando ele saísse dali, não precisasse prendê-lo mais. Achava que aquela moça estava correndo perigo e por isso resolveu ajudá-la. Conseguiu uma ordem judicial para levar o rapaz até aquele programa.

Sayumi voltou a fazenda do avô e foi aconselhada por ele a esquecer Felipe. Mas a jovem não queria fazer isso. Tinha a esperança de que ele voltaria a ser o menino terno e pasciente que fora no passado.

Sayumi trabalhava na loja de artigos chineses do avô em São Paulo. A loja se chamava Gōngzuò gōngjù e em baixo escrito em Português : Ferramentas de Trabalho". Era muito procurada, pois ali vendiam-se todos os tipos de ferramentas. Porém o velho avô de Sayumi tinha o hábito de vender fiado e a loja não andava bem. Nas horas de folga, Sayumi visitava o museu e a biblioteca da cidade. Era o seu passatempo preferido. O museu tinha uma lanchonete acoplada e era lá que ela lanchava sempre. O atendente do museu era um rapaz de bons modos que agradaria muito a seu avô. Ele era alto e forte. Seu nome era André. Tinha um rosto bem típico de pessoas asiáticas como ela e se tornaram grandes amigos. Sayumi desabafou com ele sobre o Felipe. André nutria por Sayumi uma paixão platônica pois ela nunca lhe dera trela. A amizade era tudo o que ela desejou de André, pois seu único e verdadeiro amor era o Felipe e ela sempre teve esperanças de reencontrá-lo. Agora renascia as esperanças de que ele voltasse pra ela. Sim pois acreditava que aquele Valdir era outra pessoa e que o Felipe um dia voltaria.

Continua...

Nilma Rosa Lima
Enviado por Nilma Rosa Lima em 19/03/2015
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