Nunca me Deixará
O vento move os galhos da árvore sobre mim. O branco céu repleto de nuvens parece manifestar minha tristeza. Já se passou três anos e sinto como se fosse ontem. Minha garganta se fecha e tenho de me conter para não chorar. Helena. Nesta mesma data, neste últimos três anos, neste mesmo dia esse nome reverbera em minha mente, fazendo a angústia de sua perda desmoronar meu corpo. Venho chorar aqui para que as nossas filhas não me vejam chorar. Tenho de manter minha posição de pai protetor.
Helena morreu em um acidente, quando foi ajudar ao pequeno filhote de cervo a sair da estrada. Ele estava desesperado e ela foi guiá-lo até o outro lado da estrada, onde se encontrava sua mãe. Muitos carros iam e vinham, desviando do filhote perdido, com medo de ficar longe de sua mãe. Helena o levou até o outro lado, para perto de sua mãe, e juntos se embrenharam na floresta, a poucos metros dali. Helena viu que ambos estavam bem. Ela começou a caminhar pela estrada. Olhava para mim e sorria, seu rosto iluminado pela luz da lua. Eu observava atentamente ela atravessar a estrada, quando um carro em alta velocidade durante uma ultrapassagem a lança para longe. Meu coração dispara e desço os degraus, apavorado, acreditando de que ela estava bem. Mas eu estava errado. Liguei para o pronto socorro e chamei uma ambulância, que rapidamente chegou ao local do acidente. Ela foi colocada na parte de trás do veículo e foi levada embora para o hospital. Eu fiquei muito preocupado em casa, crendo que tudo ocorreria perfeitamente bem. Eu só queria Helena de volta. Não pude ir junto da ambulância, pois eu não podia deixar minhas filhas sozinhas. Meu coração estava apertado e o nível da minha preocupação estava desesperador, deixando-me com uma dor de cabeça insuportável. Uma dor que só teria uma cura, e ela era Helena. Já faziam duas horas desde a última vez que me ligaram para dizer que ela estava bem. Mas a tensão ainda me pressionava. Tentei dormir e relaxar, mas foi em vão. Passei a noite acordado pensando em como ela realmente estaria se sentindo. Se ainda estivesse viva. Pela manhã o telefone toca. Levanto-me rapidamente para atendê-lo. Me ligavam do hospital. A atendente estava respirava fundo do outro lado da linha.
– Sr. Lewis, temos notícias sobre sua esposa - Cada palavra dita soava pesarosa. Algo ruim havia acontecido. E aconteceu.
– O que houve? - Eu disse ansioso por alguma boa notícia.
– Lamento lhe informar, mas - Após essas palavras, me vida esvaiu-se. Sua respiração estava pesada, parecia que ela iria chorar do outro lado da linha. Ela finalmente disse as palavras que me consumiram por dentro - sua esposa veio à falecer hoje, às 05:46 da manhã.
Meu coração parou de bater por um momento. Todo o meu futuro com ela já não seria mais passado. Nossos planejamentos foram jogados em poço escuro e sem fundo, apenas com essas palavras.
– Sr. Lewis? - Pergunta a atendente, com uma voz triste. - Está bem? Eu sinto muito, meus pêsames.
– Obrigado - Digo sem energia.
A linha fica muda. Acho que a atendente não aguentou e desligou antes que começasse a chorar, rompendo assim sua imagem de profissional.
Helena. Morta. Naquele momento eu faria de tudo. Daria minha vida por ela. Para que ela pudesse viver seus sonhos. Para que o mundo pudesse presenciar o seu lindo sorriso. Faria de tudo para vê-la feliz.
" E agora?" penso, a dor lancinante em minha cabeça aumentando sua intensidade. " Teria de seguir minha vida sem o motivo de vivê-la? Ela era minha meta. A história que teríamos era o meu objetivo. Acordar todos os dias e ver que Helena foi a escolha perfeita para mim. Agora essa escolha não existe mais."
Lágrimas caem de meus olhos. Lembro de seu rosto ao amanhecer reluzindo vida. Todos os dias acordar e ver o seu sorriso. Quando brigávamos, eu fazia de tudo para que ela me perdoasse, para que ela um dia pudesse olhar para o nosso passado e ver o quão nossa convivência foi feliz. Nossas filhas. Ela nem sequer teve a chance de vê-las crescendo. Eu tive de criá-las sozinho. Elas me perguntam como a mãe era e eu faço de tudo para que elas possam ter a melhor imagem de Helena. O que praticamente ela seria como mãe.
Neste momento uma fina chuva cai do céu e as folhas remanescentes desta árvore sobre mim, secas, se vão junto com o vento, deixando-a sem companhia, solitária. Este era o lugar preferido de Helena. Ela adorava ver o mar chocando-se contra as pedras. Quando ficava furiosa ou cansada, ela vinha até aqui para que toda a raiva ou tristeza fosse contida pelas ondas, usando esses sentimentos contra as pedras. É o que eu faço neste momento. Espero que toda a tristeza da perda esteja sendo contida em cada onda que se quebra na rochas.
De repente uma pequena fresta é aberta entre as nuvens, deixando o Sol iluminar um pouco. O fino feixe reflete a ondas, tornando-as cheias de vida. A fresta se fecha e o vento torna a soprar frio.
– Nunca vou deixá-lo, Harry - Diz a doce voz de Helena em minha mente, sussurrando e ecoando, como se fosse trazido pelo vento. - Não estará sozinho. Lhe ajudarei a carregar esse pesado céu cheio batalhas e problemas. Serei o seu Atlas. Eu carrego o seu mundo mundo por você. Não lhe deixarei.
– Sei disso, Helena - Digo em um sussurro. - Sei que nunca me deixará. Eu faria o mesmo.
O vento sopra um pouco mais suave e olho ao horizonte, imaginando o sorriso de Helena.
Mais tarde, volto para casa cansado deste triste dia, carregando em meu coração a promessa de que não estou sozinho. Faço minhas filhas dormirem e vou para a minha cama. Deito-me e olho para o teto, pensando sobre o meu futuro. Verei minhas filhas crescerem, criarem a sua própria família. Quem dera Helena estivesse aqui. Um sorriso surge em meu rosto, lembrando de que ela está por perto. Em meu coração. Pulsando fortemente a sua energia. De repente ouço leves batidas na porta. A maçaneta gira, revelando duas pequenas figuras, os sorrisos iluminados pela Lua que reluz através da janela, emitindo tamanha doçura.
– Papai, podemos dormir com você? - Luna pergunta.
– Venham - Respondo, sorrindo.
Elas fecham a porta e caminham devagar até a minha cama. Cubro-as com o cobertor e passo os braços em torno delas. Elas se aconchegam, abraçando-me.
"Com certeza", penso," não estou sozinho."
E desde aquele dia, as folhas daquela árvore cresciam com vida e secavam, mas sabendo que a vida não lhe deixaria.