Everdream

“Eu te levaria para longe

Naufragar em um dia de solidão

Colo para uma face com lágrimas

Minha canção pode tomar emprestada a sua graça”.

Everdream - Nightwish

Aquele lugar era mágico, e não era a primeira vez que o visitava. Seus pés descalços tocavam a cada passo uma grama suave e felpuda como um tapete. Ela olhou para baixo: a grama não era verde, mas de uma tonalidade azul leve e infantil. Mais adiante, seus olhos localizaram um pequeno lago circundado de pedras, com lindas flores aquáticas flutuando sobre as aguas cristalinas. Ela se aproximou correndo, se ajoelhou e curvou -se sobre ele, agora sondando cautelosamente. Comtemplou o reflexo que pairava no espelho d’agua, um rosto delicado que ela so constatou que era mesmo o seu ao toca- lo com ambas as mãos, e sentir as bochechas das faces cheias e saudáveis. Um rosto naturalmente belo sem maquiagem, adornado por cabelos compridos coroados por um arco vermelho.

“Esta sou eu mesma?”- pensou, admirada. Como sua imagem ficara assim?

Sempre olhando para baixo, ela avistou a flor que flutuava no centro do laguinho e esticou uma mão para tentar apanha-la. Apesar de alongar o corpo ao máximo, a flor ainda estava a centímetros de seus dedos. Mais um movimento e ela perderia o equilíbrio, caindo na água. Suas tentativas de captura- la eram um impulso infantil, porem lhe parecia algo importante pegar aquela flor. Era um sentimento que ela não podia explicar, apenas sentir. Uma sensação intensa de que aquela flor fosse uma parte perdida que lhe pertencia.

Então uma leve onda nas aguas empurrou a flor de encontro aos seus dedos, como que provinda do sopro de um anjo. Ela o apanhou, comtemplando- a entre as mãos abertas. Nunca vira antes uma flor parecida. Suas pétalas se abriam em forma de coroa, e no centro, erguiam-se caules ondulantes e transparentes com minúsculas esferas brilhantes no topo. Era sem duvida uma flor exótica que só poderia ser encontrada num jardim misterioso como aquele. Um sorriso iluminou seu rosto, diante dessa preciosidade. Se acreditasse em coisas mágicas, diria que esta era uma coisa assim.

- Não vai me agradecer? – disse uma voz masculina, suave como um sussurro.

Ela ergueu os olhos, surpresa. Do outro lado estava um rapaz de cócoras a beira do lago, olhando- a com um doce sorriso. Sua pele era clara, em contraste com os cabelos e olhos pretos, que a miravam fixamente. O rosto e a expressão lhe eram familiares. Ele parecia uma lembrança distante de alguém especial em sua vida.

- Foi você quem a soprou para mim? – ela indagou timidamente.

- Fui.

- Muito obrigada. Você foi muito gentil.

- Só apareci na hora certa. Já era hora de você te la em suas mãos.

O que ele queria dizer com isso?

Ele se ergueu e ela pode ver o quanto ele era alto. Ele contornou o lago calmamente, até ficar ao lado dela. Seus olhos não se desviavam nem por um segundo dos dela.

- Ela é muito linda, não é? – disse ela, corando de pudor. Nunca antes alguém havia olhado –a dessa forma.

- Ela é tudo o que um dia você já sonhou.

Ela sorriu.

- É exatamente o que sinto ao olha- la. Como sabe disso?

- Vejo isso em seu olhar.

Ela sorriu, depois baixou a cabeça para a flor, aspirando seu perfume, escondendo as faces entre suas pétalas. Fechou os olhos, exalando o aroma romântico e apaixonante de sua essência. O êxtase se apoderou dela completamente.

- Aqui tudo é tão belo... Que lugar é este?

- Everdream.

Ela sentiu um arrepio. Everdream? Ela conhecia muito bem aquele nome. Era a música que ela sonhava ser o tema de seu futuro matrimonio.

- Então, ele realmente existe? Não é um mundo imaginário apenas? – ela perguntou, emocionada.

- Sim, ele realmente existe. Está vendo o lago? Tente adivinhar a matéria original dele.

- Água, é claro! – ela riu, achando a pergunta engraçada.

- Não.

- Não?

- Não. A matéria liquida do lago é feita de outra coisa: de lágrimas. As suas lágrimas, Lorien. Elas não se perderam e evaporaram, como você sempre pensou, elas não levaram parte do seu ser e dos seus sonhos. Lá estão elas, uma por uma, todas as lágrimas de seus lindos sentimentos feridos. É por isso que ele é tão lindo assim, reflete toda a beleza e a sinceridade da sua alma.

- Nossa – ela virou o rosto para olhar o lago, tentando calcular as milhões de gotas de lágrimas contidas nele, vertidas por seus olhos nos piores momentos de dor. Elas cintilavam ao sol com um brilho de cristal. Não conseguiu dizer mais nada, imobilizada como uma estátua pela grande emoção que aquilo lhe causou.

O rapaz fez uma pausa, respeitando seu silencio. Depois continuou:

- Aqui todas as coisas são o símbolo de algo muito especial. Nada é apenas um adorno.

- Esta flor? O que ela significa?

- Eu já disse.

Lorien pensou por um momento, espremendo os lábios.

- Tudo o que um dia eu já sonhei... O meu grande sonho...

- Qual é o seu grande sonho? – perguntou ele, fascinado por conhecê-lo.

Ela ficou em silencio. Depois, com um olhar perdido e um suspiro profundo, sussurrou, em tom melodioso:

- Ser amada verdadeiramente por alguém. E amar na mesma proporção.

Ele assentiu com a cabeça, olhos emitindo um brilho novo.

- Agora entendo... Esse sonho flutuava acima das minhas lágrimas, reinando sobre elas. Ele foi maior que toda a dor e solidão que eu um dia eu já senti.

- Sim... Isso mesmo, Lorien. – ele pronunciava seu nome como se o conhecesse há muito tempo.

- Então... Ele é real! Não apenas um sonho...

- Nada é só um sonho, minha criança.

Ela pensou no que fazer com o seu sonho. Não iria devolve- lo as aguas do lago. Então dobrou as pétalas do amor, e prendeu-as no colo, guardando-o junto ao peito, bem perto do coração.

- E você, quem é? Como sabe meu nome, e sabe de tudo isso? Você é um anjo? – ela perguntou, sorrindo suavemente.

- Não. Sou seu príncipe.

- É sério?

Ele olhou em seus olhos com ternura, depois segurou em sua mão. De mãos dadas, eles passearam pelos jardins, andando devagar. A mão dele era cálida, segurando a sua como se nunca mais quisesse soltar, transmitindo calor e sentimentos através do contato. A felicidade irradiava do peito de Lorien como raios de sol, uma fusão fantástica de sensações que cresciam a cada instante. Ele conduziu- a para a árvore florida no centro do jardim. O seu tronco de madeira era alaranjado, e em sua abóboda as flores cheias, de aspecto roxo e maciço.

- Vamos sentar debaixo da sombra – disse ela, puxando- o pela mão.

Ele a seguiu, então ela se sentou na grama, de costas para a arvore. Ele contornou-a, recostando-se no tronco. Ela sentiu as mãos dele arrastarem-na para mais perto, e sua nuca tocar- lhe o peito. Ela virou um pouco a cabeça, colando o rosto em seu peito, e fechou os olhos, suspirando. Que delícia ouvir as batidas do coração dele, um coração repleto de amor por ela! Ele era real, podia toca- lo, senti-lo...

Ele cercou- a com os braços, de forma protetora. Ela abriu os olhos novamente, e pode ver as pétalas que se desprendiam lentamente do teto de flores, e iam caindo sobre eles, numa performance encantadora. Ele beijou- lhe o rosto, um beijo doce e quente que aqueceu- lhe as bochechas. Podia sentir sua respiração, o calor amigo que fluía de seu corpo, as emoções de um apaixonado expressas em seus gestos...

- Qual é o seu nome? – ela perguntou.

- Isso é um mistério ainda. Mas um dia você saberá.

- Um dia? – ela franziu a testa - Porque não pode me dizer agora?

- Um dia, quando nos encontrarmos na vida real, eu poderei lhe dizer.

- Então isto não é a vida real? Isso tudo não passa de um sonho?

A decepção era nítida em seu olhar. Simultaneamente, sentiu os pulmões não absorverem o ar direito, tornando a respiração difícil, e uma febre acender –se dentro dela. Foi horrível.

- Não fale assim, amor! Isso tudo é muito, muito real. Porém é a revelação do futuro. Isso acontecerá um dia em que não sabemos. Precisamos apenas esperar.

- Não me mande esperar... Mais um pouco de solidão, e lágrimas, e aquele lago irá transbordar!

Ela chorava agora, como uma criança desiludida. Ele pegou- a nos braços e repousou - a em seu colo.

- Não chore, meu amor. Se acalme, minha pequena.

- Não, não acredito que quando acordar, voltarei a mesma vida solitária de sempre, e você terá partido. Não posso mais viver sem você, agora que sei que você existe, não é apenas um ideal criado pela minha mente.

- Voce vai acordar desta visão, e não vai chorar nunca mais. Agora você sabe que eu sou real, e que vou te encontrar. Eu prometo que será em breve.

- Promessas! Eu estou cansada de ouvi-las! Você não sabe o quanto tenho esperado por você... não estou pronta para perde – lo de novo.

- Eu prometo que sou seu. – ele disse firmemente. – e vou selar minha promessa.

Ele baixou o pescoço e a beijou intensamente, com calor e sofreguidão. Aquele beijo roubou- lhe as forças, ela fraquejou em seus braços como se desmaiar, até quase perder o folego, então ele fez uma pausa para que ela respirasse.

- Eu te amo, antes mesmo de conhecê-la. Eu também tenho esperado por você, muitas vezes triste e solitário. Eu te amo, e vou continuar esperando-a até o momento em que Deus nos unir! E acredito, depois que te encontrar, o meu amor se tornara ainda mais gigante. Você terá inteiramente todo o amor que existe em mim.

Ele beijou-a de novo, dessa vez com suavidade. Dos seus olhos gotejavam lágrimas, que ele não pode reprimir.

- Espere por mim, acredite em mim. Não desista de me esperar. Tenha fé. E não se esqueça do quanto eu te amo e do quanto te amarei.

Eles se abraçaram, desejando que o momento da separação nunca chegasse, embora ela fosse inevitável. Fecharam os olhos, murmurando palavras de amor. A voz dele tinha um efeito anestesiante e tranquilizador, e a febre emocional foi diminuindo. Lorien voltou a sentir paz e aconchego em seus braços, e entregou - se aquele sentimento como se ele pudesse ser eterno. Debaixo da arvore que derramava suas flores como bênçãos, o casal adormeceu ao som dos passarinhos que cantavam e da brisa carinhosa daquela tarde de outono, no país secreto onde as coisas invisíveis são as mais notáveis. Everdream era seu nome.

Lothlórien
Enviado por Lothlórien em 08/03/2015
Reeditado em 09/03/2015
Código do texto: T5162479
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