É desse amor que estou falando!
Ontem eu conversei com ela.
Olhei em seus olhos cansados, perdidos, e fiz carinho em sua barriga. Ela respirou fundo, continuou olhando pra frente, mas senti que havia relaxado um pouco mais. Sua língua passou devagar sobre meus dedos, e parou no meio do caminho, também cansada. Outra vez respirou fundo.
Aproximei minha cabeça de suas orelhas, passei minhas mãos por suas costas, e lhe dei um beijo na testa. Deitei ao seu lado no chão, sem me preocupar se já estava arrumado para sair. Apenas fiz, como fazia desde meus 12 anos de idade. Disse em seus ouvidos que era muito grato por sua presença. Lembro-me de cada momento desde que você chegou em nossa casa, no meio de uma tempestade, abandonada no jardim do prédio. Disse-lhe o quão era grato, o quanto poderia dizer por aí que tive uma companheira, ímpar, e fiel por longos anos. Pedi desculpas pela falta de paciência em alguns momentos, principalmente com suas crises durante grandes tempestades de raios e trovões. Ela parecia entender. Novamente lambeu minhas mãos.
Agradeci pelas brincadeiras, pela marca que o jardim carrega até hoje, onde já não nasce mais grama, de tanto que você correu de lá pra cá, de cá pra lá, querendo aparecer para quem quer que chegasse no prédio. Se a pessoa que chegasse fosse daquelas que não te dava confiança, você simplesmente chegava perto, balançava o rabo, e ia desbravar o jardim. Esse ato, essa humildade, fazia com que até esses seres mais frios, que fingiam ignorar sua presença, caíssem de amores por você.
Mas o tempo passa, a idade chega, e tem sido cruel contigo. Suas perninhas, as quatro, já não te sustentam mais. Seus olhos não parecem ver com a mesma clareza, seus ouvidos não parecem escutar com a mesma precisão, mas você continua amiga. Continua indo até a porta receber cada um que chega. Continua se deitando ao lado de cada pessoa que deita no chão. Então se aproxima, se aninha, e ali fica, companheira, esperando pelos carinhos de sempre.
Um dos meus maiores arrependimentos é de ter crescido, e com o tempo, deixado minha atenção a você faltar em alguns momentos. Ora por conta da correria do dia-a-dia, ora por conta da chegada de um bebê em casa, que atraiu todas atenções. Você nunca ficou em segundo plano. Você nunca foi esquecida. Só perdeu aquela prioridade. Aquela coisa de eu chegar, me jogar no chão, e ficar te irritando, pra você morder minha mão, e aí sim, começar a correr pelos cômodos, extravasando a sua alegria de eu estar em casa.
Lili, minha velha, em 2015 você fez 18 anos de idade. Dezoito anos caninos, que, segundo cálculos, são quase 100 anos humanos. Uma velhinha, mãezona... Que em momentos de doença se aproximava e ficava ali ao lado, observando. Uma vovózona, que recebeu o tal bebê como novo membro, e nunca implicou com ele. Pelo contrário, se mostrou uma ótima babá, tolerando puxões, apertões e empurrões que os bebês sempre destilam contra os animais. Sua paciência, sua paz conquistou até mesmo os gatos da região, que logo cedo se reuniam na porta de casa, e te acompanhavam em seu passeio matinal. Uma cadela entre os gatos. Tem união mais improvável do que essa?
Porém, o mais provável, e é difícil aceitar, é que seu tempo parece estar se esgotando. Sinto que a idade tá pesando. Que tem se tornado um martírio andar pela casa, batendo cabeça, caindo por conta da falta de força nas pernas. Dói te ver assim. Aquela que antes corria, subia as escadas pulando degraus, hoje pede ajuda. Hoje está lenta, como se precisasse de uma bengala.
Ontem eu conversei com ela. Disse que não iria desistir dela, mas que se quisesse descansar, se quisesse finalmente partir, poderia ir de bom coração. Lili já fez muito por nós. Trouxe uma alegria, um amor e um companheirismo que surgiu de onde menos esperávamos. Disse em seus ouvidos que jamais ia esquecer de tudo que vivemos, dos sustos que levamos, e de quanto ela foi forte, e está sendo até então.
Hoje mudei meu pensamento, sabe? Hoje entendo porque algumas pessoas escrevem livros sobre seus bichos de estimação. Após Marley & Eu, surgiram outros montes de livros com o tema, e eu achei que poderia ser apenas mais um bando de oportunistas. Mas não... Assim como podem haver os espertos nesse meio, há também aqueles que, assim como eu, são apaixonados por seus bichos de estimação. Que dariam de tudo para que eles pudessem ter vida longa, quem sabe até, uma possível imortalidade. Que sofrem ao verem trogloditas maltratando sem qualquer ressentimento seres indefesos.
Lili vai ser eterna. Ela e o amor que deu pra todos nós. E é desse amor que eu estou falando.