674-O PRIMEIRO MESTIÇO AMERICANO-História

Na História nem sempre se registra o que de fato aconteceu nem se dá o devido destaque aos fatos, os quais, analisados após os eventos, sob uma “perspectiva histórica” ou através de outros pontos de vista, podem assumir novos significados e levar a diferentes interpretações.

Como tradutor, tive minha atenção despertada para uma figura feminina bastante desbotada ou quase apagada, que foi crucial na história da conquista do Império Asteca, nas primeiras décadas do século XVI.

O Império Asteca situava-se na região central do que hoje é o México e a cidade principal era Tenoch-Titlán, situada em uma ilha no lago que hoje não mais existe. Exatamente onde está a moderna capital Cidade do México.

A frota de barcos de Cortez saiu do porto de Santiago de Cuba e dirigiu-se para ilha de Cozumel, costeira à península de Yucatán, que era domínio dos Maias, povo pacífico e já contatado pelos espanhóis.

A expedição de Cortez, constituída por 11 navios, 550 soldados, 16 cavalos e 14 pequenos canhões, que poderiam ser usados tanto a partir dos navios como em expedições por terra. Mas, embora bem armado, Cortez não tinha um intérprete que o ajudasse na comunicação com os Maias e outras tribos da região. Essas tribos eram inimigas dos astecas e Cortez as queria como seus aliados naquela guerra de conquista.

Cortez estava com 36 anos, era um homem pouco dotado em conhecimentos deferentes daqueles relacionados com sua índole de guerreiro e conquistador. Nada sabia, portanto, das línguas faladas pelas inúmeras tribos do Caribe e da região a que se dirigia. Sem uma pessoa que entendesse os diversos idiomas dos maias, astecas e outros grupos locais, ficaria mais difícil estabelecer as desejadas alianças.

A sorte sorriu para Cortez. Em Tambasco, cidade a oeste da península de Yucatán, ele sufocou uma rebelião dos índios tambascanos. Os caciques vencidos foram batizados na fé cristã e pagaram tributos aos espanhóis: ouro, alimentos e escravos.

Foi-lhe oferecido como presente especial um grupo vinte escravas jovens. Entre elas estava uma filha do cacique dos Panayala, da tribo dos Nahuás, conhecida como Malinche.

Era uma moça que se destacava no grupo, com pouco mais de vinte anos e, com certeza, bem menos de trinta. Até chegar à posse de Cortez, Malinche já tinha passado por muito sofrimento e privações. Quando era menina, seu pai morreu e a mãe teve outro filho. Como uma inconveniente órfã de pai, foi vendida a traficantes maias de escravos, e depois, para o cacique de Tambasco. Dos diversos cativeiros, a moça, por certo uma mulher de inteligência mais elevada, aprendeu os diversos idiomas de seus captores e donos.

Quando passou para a posse de Cortez, esse conhecimento logo ficou em destaque. Ele fez com que ela fosse batizada com o nome de Marina e a manteve ao seu lado, para a tradução entre as línguas dos Nahuatl, dos Maias e de outros idiomas locais. E não demorou muito para que ela aprendesse também a falar espanhol, o idioma de Cortez.

Como intérprete, Marina ouvia muitas coisas além do que traduzia. Assim, ela soube de um plano de aliança secreta entre os nativos de Cholula (aparentemente aliados de Cortez) e os maias, a fim de destruir o exército espanhol. Ela alertou Cortez que, com rápidas decisões, prendeu e matou os índios cholulas engajados na traição.

Marina acompanhava Cortez em todos os momentos, até mesmo em combates. O inevitável aconteceu. O filho de Cortez e Marina nasceu em 1522, um ano após a queda de Tenotch-titlan.

Batizado Martin Cortez, é considerado o primeiro mestiço das Américas.

Marina passou a viver com o filho em uma casa construída para ela no vilarejo de Coyoacán, cerca de doze quilômetros ao sul de Tenoch-titlan, enquanto esta estava sendo reconstruída como Ciudad de México.

Cortez não dispensava o dom de poliglota de Marina e a levou consigo para sufocar uma rebelião em Honduras, quando novamente ela o ajudou como intérprete. Voltando ao México, ela passou a residir em Orizaba, então um lugarejo a oeste de Vera Cruz, Cortez então empreendeu outra expedição, desta vez por terra e na direção do Noroeste, para a Baixa Califórnia, em busca de uma das Sete Cidades de Ouro.

Algum tempo depois, Marina, quem sabe sentindo-se solitária, se casou com o fidalgo espanhol Juan Jaramillo.

<><><>

Eis como Marina, concubina de Cortez e mãe do primeiro mestiço das Américas, com sua capacidade de aprender idiomas, contribuiu decisivamente para o sucesso de El Conquistador nas guerras contra os povos que habitavam a região hoje conhecida como México.

Da história para o mito a distância é curta. Alguns historiadores dão o ano de 1495 como o de nascimento de Marina, que provavelmente faleceu em 1550. Ficou sendo conhecida como La Malinche e é uma lenda entre os mexicanos.

Em placa comemorativa na cidade de Orizaba, no departamento de Vera Cruz, México, seu nome está perenemente lembrado.

ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 15.06.2011

Conto # 674 da SÉRIE 1.OOO HISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 27/02/2015
Reeditado em 27/02/2015
Código do texto: T5152135
Classificação de conteúdo: seguro