Ausência
A luz vinha sobre o cair da tarde e dourava tudo. As folhas das árvores, os muros de pedra, a relva em prenúncio de trevo, a casca do carvalho a fender-se manchada de parmélias, a tua mão abandonada na coxa. A certa altura tudo parecia ouro, poalha de ouro, ouro que se mudava em doces cores coadas, leves como aquele ar que trazia da praia o acre dos cheiros mais fortes. Separava-nos o silêncio. Quietos, calados e ausentes, podemos pensar em tudo com relativa impunidade, podemos chorar por dentro sem ter de dar explicações e, até, odiar sem consequências. Choro muito nesta pausa. Choro sem que ninguém perceba. No meu silêncio, há pouco, corria um rio manso e, nele, estavas tu com a roupa colada ao corpo. Erguias as mãos em concha e libertavas a água que corria pelo teu rosto. Rias. Estavas feliz. Depois o rio ficou, também ele, dourado antes de ser uma mancha escura onde desaparecias. Ainda ouvia o teu riso, ainda escutava o teu lamento e, por fim, o silêncio, a noite vazia de formas, o ar frio a gelar-me as mãos e o rosto. Quando te procurei já não estavas. Alguma vez estiveste? Caminho agora sobre o empedrado e vejo imagens de pedra à margem do caminho. Numa delas corre um fio de sangue da boca aos seios já vermelhos e, inquieto, percebo os insetos a enxamear a luz dos candeeiros já acesos. Cai uma neblina intensa e sinto-me perdido. Sempre que te ausentas me perco. Bom seria que viesses ao meu encontro. Nada tinhas a ver com a estátua ou com o sangue. Nem com o silêncio. Tinhas, sim, a ver com a ausência. Um dia, esquecerás as nossas diferenças e vais voltar. Como sabes, a chave fica sempre debaixo do tapete.